(Caetano Veloso)
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e Av. São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas
Ainda não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e avenida São João
Quando eu te encarei frente a frente e não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos mutantes
E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso
Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mas possível novo quilombo de Zumbi
E os Novos Baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa
Mário Quintana já dizia: - Não há porque interpretar um poema. O poema já é uma interpretação. Já Antonio Brasileiro, em prefácio para o livro não publicado, Cinema Secreto, de Edmundo Carôso, fala que poesia e letra são coisas totalmente distintas. Concordo plenamente com os dois. Unindo estas duas afirmações, eu, que sempre teimei interpretar e buscar o sentido das letras e poesias, fico meio perdido com "Sampa". Letra ou poesia? Pra mim são as duas coisas. Me lembro de quando ainda não conhecia São Paulo, aos doze anos, e aprendi a tocar “Sampa” no violão. Como, para meus parcos talentos musicais, era uma música difícil de executar, tive que treinar a exaustão até conseguir tocá-la de forma convincente. Com isso acabei por decorar a letra que, já naquela época, me fascinava. É óbvio que tentei interpretá-la e acho que consegui. Não vou me deter nos detalhes e conclusões que um menino de doze anos tirou de tal interpretação, até porque poesia é assim, cada um entende do seu jeito, mas acho que nela contém uma clara mensagem.
Quando conheci Lílian já havia estado em São Paulo duas vezes. Cheguei na cidade de corpo fechado pelo preconceito. Não gostei nada do que vi. Aquele trânsito infernal, as pessoas agitadas correndo de um lado pro outro sem cumprimentar ninguém, o ar carregado pela poluição e os arranha-céus gigantes faziam com que me sentisse um nada no meio da multidão. Definitivamente São Paulo não era a minha praia.
Aí entrou Lílian na minha vida. Com ela comecei a aprender gostar de São Paulo e do povo paulista, a derrubar as barreiras do preconceito e entender o verdadeiro significado daquela cidade, o seu imenso valor. Nossa amizade, que foi se multiplicando pois conheci vários paulistas através dela, me fez olhar aquele povo com outros olhos. Daí em diante passei a ir a São Paulo com mais freqüência e, já de peito aberto, a entender melhor as suas nuances. Uma grande metrópole que, como todas, não pode ser menosprezada.
Um dia, Zé Fábio, um tio meu muito espirituoso, entrou num táxi em Sampa e o motorista perguntou: - Onde o Sr. quer que o leve? Prontamente respondeu: - Onde acontece alguma coisa no coração de Caetano. Por falar no cruzamento da Ipiranga com a São João, vivi lá uma história inusitada. Num dos prédios, em uma das esquinas, fui resolver um problema que tinha com um famigerado cartão de crédito. Pelo menos não era dívida. Peguei uma senha e aguardei ser atendido. Justamente na minha vez o alarme de incêndio disparou. Foi um alvoroço danado. Desci os seis andares pelas escadas feito um louco, em meio a um pânico enorme, pra chegar lá embaixo com o coração disparado botando os bofes pela boca, e descobrir que foi um defeito no sistema. Nunca mais subi lá. Voltei pra casa e deixei o problema pra ser resolvido em Salvador.
Passei a freqüentar o dia-a-dia dos paulistanos. Andar pelas ruas, visitar mercados e feiras, pegar ônibus e metrô, conversar com as pessoas nas ruas e coisas desse tipo, que fazem você realmente conhecer uma cidade e entender seu coração e sua cultura. Numa dessas vi uma coisa que me chamou a atenção, achei até que estava tendo uma alucinação. Não lembro bem o lugar, mas acho que foi na Santa Ifigênia. Um camelô vendendo dentaduras. O cliente chegava, experimentava várias até encontrar a que melhor se adequava na boca. Vocês acreditam nisto? Pois isto é São Paulo. Com o tempo fui mudando de opinião e hoje penso, nunca vi um feio tão bonito quanto Sampa. Todo ser humano deveria ter a oportunidade de mirar aquela cidade à noite dentro de um avião. Esta visão me marcou como uma das imagens mais bonitas que vi na vida.
Mário Quintana já dizia: - Não há porque interpretar um poema. O poema já é uma interpretação. Já Antonio Brasileiro, em prefácio para o livro não publicado, Cinema Secreto, de Edmundo Carôso, fala que poesia e letra são coisas totalmente distintas. Concordo plenamente com os dois. Unindo estas duas afirmações, eu, que sempre teimei interpretar e buscar o sentido das letras e poesias, fico meio perdido com "Sampa". Letra ou poesia? Pra mim são as duas coisas. Me lembro de quando ainda não conhecia São Paulo, aos doze anos, e aprendi a tocar “Sampa” no violão. Como, para meus parcos talentos musicais, era uma música difícil de executar, tive que treinar a exaustão até conseguir tocá-la de forma convincente. Com isso acabei por decorar a letra que, já naquela época, me fascinava. É óbvio que tentei interpretá-la e acho que consegui. Não vou me deter nos detalhes e conclusões que um menino de doze anos tirou de tal interpretação, até porque poesia é assim, cada um entende do seu jeito, mas acho que nela contém uma clara mensagem.
Quando conheci Lílian já havia estado em São Paulo duas vezes. Cheguei na cidade de corpo fechado pelo preconceito. Não gostei nada do que vi. Aquele trânsito infernal, as pessoas agitadas correndo de um lado pro outro sem cumprimentar ninguém, o ar carregado pela poluição e os arranha-céus gigantes faziam com que me sentisse um nada no meio da multidão. Definitivamente São Paulo não era a minha praia.
Aí entrou Lílian na minha vida. Com ela comecei a aprender gostar de São Paulo e do povo paulista, a derrubar as barreiras do preconceito e entender o verdadeiro significado daquela cidade, o seu imenso valor. Nossa amizade, que foi se multiplicando pois conheci vários paulistas através dela, me fez olhar aquele povo com outros olhos. Daí em diante passei a ir a São Paulo com mais freqüência e, já de peito aberto, a entender melhor as suas nuances. Uma grande metrópole que, como todas, não pode ser menosprezada.
Um dia, Zé Fábio, um tio meu muito espirituoso, entrou num táxi em Sampa e o motorista perguntou: - Onde o Sr. quer que o leve? Prontamente respondeu: - Onde acontece alguma coisa no coração de Caetano. Por falar no cruzamento da Ipiranga com a São João, vivi lá uma história inusitada. Num dos prédios, em uma das esquinas, fui resolver um problema que tinha com um famigerado cartão de crédito. Pelo menos não era dívida. Peguei uma senha e aguardei ser atendido. Justamente na minha vez o alarme de incêndio disparou. Foi um alvoroço danado. Desci os seis andares pelas escadas feito um louco, em meio a um pânico enorme, pra chegar lá embaixo com o coração disparado botando os bofes pela boca, e descobrir que foi um defeito no sistema. Nunca mais subi lá. Voltei pra casa e deixei o problema pra ser resolvido em Salvador.
Passei a freqüentar o dia-a-dia dos paulistanos. Andar pelas ruas, visitar mercados e feiras, pegar ônibus e metrô, conversar com as pessoas nas ruas e coisas desse tipo, que fazem você realmente conhecer uma cidade e entender seu coração e sua cultura. Numa dessas vi uma coisa que me chamou a atenção, achei até que estava tendo uma alucinação. Não lembro bem o lugar, mas acho que foi na Santa Ifigênia. Um camelô vendendo dentaduras. O cliente chegava, experimentava várias até encontrar a que melhor se adequava na boca. Vocês acreditam nisto? Pois isto é São Paulo. Com o tempo fui mudando de opinião e hoje penso, nunca vi um feio tão bonito quanto Sampa. Todo ser humano deveria ter a oportunidade de mirar aquela cidade à noite dentro de um avião. Esta visão me marcou como uma das imagens mais bonitas que vi na vida.
Por isso retiro tudo que disse e melhor, desdigo se for preciso. Hoje amo São Paulo, amo o seu povo e a sua loucura. Nada me resta senão falar: me desculpa Sampa!
3 comentários:
Massa seus textos, estou adorando conhecer este seu novo lado!!!!
Beijos
Lilian
Na verdade, de novo este lado não tem nada. Apenas só agora estou tendo coragem de expôlo. Se você ler o texto do link ao lado, verá isto http://adrianocaroso.blogspot.com/2007/04/o-blog-de-edmundo-papos-com-adriano-iv.html
Obrigado! Beijinho
Também penso que há diferencas entre um poema e uma letra, mas normalmente também identifico como poema uma letra que contenha alguns versos bem poéticos.
Quando estive em Sampa também conheci esse famoso cruzamento rs, entre outras coisas, e agora amo Sao Paulo.
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