terça-feira, 10 de abril de 2007

A NECESSIDADE FAZ O LADRÃO


Desde que me entendo por gente, ouço minha mãe reclamar da cozinha. Fala que não gosta de cozinhar, muito menos do trabalho que dá esta detestável parte da casa. Inveja tem ela de uma amiga minha que diz: de cozinhar, só sei perguntar quanto custa a conta. Embora Mame não reconheça, tá ali uma das maiores na arte dos sabores. E, sem dúvida, foi a minha maior mestra. Filha de Das Dores, avó que não conheci, cuja fama de boa cozinheira continua atravessando as gerações, herdou o talento no sangue. Com isso, é natural que as lembranças da minha infância estejam marcadas por primorosos sabores, com pratos deliciosos, feitos nos mais alto padrões de qualidade e higiêne. Este foi o maior complicador para mim, na hora de sair da barra da sua saia.

Quando entrei para o segundo grau, com 13 anos de idade, ainda morando em Santo Amaro-Ba, meus pais matricularam-me num colégio em Salvador, visando melhorar a qualidade da minha educação. Os recursos eram excassos, e foi um sacrifício danado, contas e contas, para adequar a equação que permitisse a minha vinda. Eu não era o único, aqui já estava Luciano, irmão um pouco mais velho, um ano escolar a minha frente. De início, lastreado por especial autorização emitido por meu pai no juizado de menores, ía e voltava todo dia. Com 70km de distância entre as duas cidades isto logo ficou cansativo. Acoradava as quatro da manhã, pegava o ônibus das cinco para estar na sala as sete. Retornava às treze para almoçar pelas quinze. É claro que não deu certo.

Tão pressionado que foi, meu pai acabou concordando em nos colocar num pensionato na capital. Ficava um pouco mais caro e o velho além de não ter, não era muito chegado a gastar o pouco que tinha. Cobre a cabeça, descobre os pés. Resolvido um problema criado outro. Descanço para o corpo, inferno para a barriga.

Foi um tal de pular de pensão em pensão, percorrendo quase todo o perímetro soteropolitano e nada. Cada uma pior que a outra. No início ainda dava pra encarar mas com poucos dias até o cheiro da comida já embrulhava o estômago, tornando a hora das refeições uma verdadeira tortura.

Luciano, já fazendo faculdade, teve a idéia de dividir um apartamento comigo mais um colega seu. Esbarramos novamente nos empecilhos paternos. Mais uma vez vencemos pelo cansaço. A condição era que, ele passava pra gente os custos do pensionato e nós administraríamos o orçamento do ap com tal verba. Eu e Luciano, resolvemos a nosso modo, cada um tomar conta do seu dinheiro. O problema persistia. Não havia a menor condição de comer fora e cozinhar ninguém sabia. Foi aí que eu descobri os miojos da vida. Meu primeiro supermercado trouxe o carrinho recheado de macarrões instatãneos, hambúrgueres, molhos prontos, ovos e esperanças de dias mais saborosos. Saudáveis? Nem tanto assim. Quinze dias depois eu já sentia saudade das pensões, por mais incrível que possa parecer.

Todo final de semana íamos pra Santo Amaro. Levávamos a roupa pra lavar e buscávamos consolos culinários na mesa de Mame Blue. Foi o início do meu amor pelo fogão.

Em cada viagem dessas, Mame me passava uma nova dica. O arroz é assim, a carne é assado, o macarrrão é cozido e por aí vai…Sem contar que sempre levava na bagagem, umas vasilinhas com bifes já cortados e temperados, umas almôndegas semi-prontas e outras iguarias do vasto cardápio materno. Com todo este estímulo, comecei a me aventurar na cozinha, plantar as sementes e colher os seus frutos. Estava nascendo em mim o amor pela culinária cuja intensidade só aumentou com o passar dos anos. É claro que existiram os fiascos inevitáveis de quem começa a aprender um ofício. Arroz empapado, peixe boiando num rio de água, lasanhas de cabeça pra baixo e outros micos que guardarei para futuras histórias. O prazer de acertar completamente o primeiro prato, guardo na lembrança como a do primeiro beijo.

Os anos passaram, muitos de lá para cá, mas até hoje a cozinha faz parte da minha vida e é uma das minhas maiores paixões. A escola de Mame Blue, o Senac, as trocas de experiências e receitas com diversos amigos, foram me dando mais segurança e aperfeiçoando esse dom que, hoje sei, nasceu comigo. Não sou impafioso para dizer que sou bom, nem modesto demais para dizer que sou ruim. Tenho consciência das minhas virtudes e minhas limitações. Posso falar, sou cozinheiro. Com que qualidade? Só as pessoas que provaram meus pratos podem dizer, e isto é melhor que perguntem a elas.

Na foto com Cristiano. Um dos instrutores do meu curso no Senac.

Um comentário:

Anônimo disse...

Adriano,
Parabens pelo blog, está muito legal!

Abraços,

Ricardo Mendes