sábado, 7 de abril de 2007

ÔNIBUS ERRADO (Mas Que Barbaridade Tchê!)




Sr Arcy e D. Celmira, com minha irmã Sílvia ao centro. Foto de 1991


Uma amizade verdadeira pode surgir da mais variada maneira. Na minha vida, um encontro casual dentro de um ônibus, que peguei errado por sinal, trouxe na carona, um bocado delas. Era Julho de 85, final de tarde, estava indo com Antonio Carlos, um colega de escola, para casa dele, a fim de estudarmos para prova de física do dia seguinte. Quando entramos no ônibus logo estranhamos o fato de não aceitarem nossos passes escolares. O cobrador esclareceu, que aquela era um linha especial para congressistas, vindo do centro de convenções para o Campo Grande, via orla marítima. Por sinal que congressistas! Um bando de gurias gaúchas, lindas por sinal. O congresso era sobre Pedagogia Especial e, em sua maioria, os congressistas eram do sexo feminino. Antonio Carlos, galante de plantão, logo ficou assanhado. Contudo, como cavalheiros decentes que somos, sentamos em nossos lugares sem procurar graça com nenhuma das beldades sulistas que ali estavam.

Aí entra o destino. Quando ele quer nada podemos fazer. Estava escrito pra mim, aquele ônibus errado, mudaria pra sempre a minha vida. Um engarrafamento gigantesco, provocado por um show no Farol da Barra do extinto grupo Dominó, que na época estava vivendo um sucesso explosivo, forçou o motorista a desviar a rota do ônibus. Tal desvio deixou apreensiva uma das garotas que achou terem elas, tomado errado o coletivo. Aí perguntou pra gente o que estava acontecendo e começamos a explicar que o motor, como chamamos motorista de ônibus em Salvador, só estava pegando um desvio para sair do trânsito, mais que o ponto final não teria alteração. Só então descobrimos que o hotel onde elas estavam hospedadas ficava um bocado além do ponto final do buzu. E que, por sinal, não era recomendado que as donzelas seguissem a pé e sozinhas. Já havia anoitecido e o centro da cidade não é dos lugares mais seguros. Já estávamos mesmo no ônibus errado, e tendo no sangue a verdadeira hospitalidade baiana, fomos até o fim da linha e deixamos as prendas sãs e salvas na porta do hotel.
Antonio Carlos, com segundas intenções, convidou as gurias para um passeio noturno, com o pretexto de mostrar a cidade. Agradecidas pela nossa boa ação, as meninas aceitaram. Lembrem bem, íamos estudar para a prova de física. Terminamos no Porto da Barra, acompanhado de um bando de gaúchas, bonitas, simpáticas e duronas. Não adiantaram os galanteios baianos, ficou só na amizade. Tudo que restou foi o meu quatro e o zero de Toni na prova. Nada normal, bons alunos que éramos.

Uma dessas meninas me chamou muito a atenção. Seu nome era Liane. Um doce, uma simpatia. Com uma conversa interessante, fui me envolvendo com seu papo e, com ela, me identifiquei bastante.

Raiava o sol, quando levamo-nas para o hotel. Trocamos endereços, telefones e beijinhos de despedidas que, graças a Deus, no Rio Grande do Sul são três em vez de dois como na Bahia.

Realmente não lembro quem escreveu primeiro, se eu ou Lika. Só sei que foram cartas e mais cartas durante muito tempo, e nossa amizade foi ficando cada vez mais estreita. Falávamos da gente como se convivêssemos na mesma cidade. Éramos confidentes, um aconselhava o outro, falávamos das nossas famílias, dos nossos amigos, dos nossos amores e por aí vai. Em tempos onde a internet ainda não havia se popularizado, que não existiam os tais e-mails, deixamos muitos trocados no cofre da nossa estatal, os Correios.

Naquela época já conversávamos também por telefone, eu já falava com os pais dela que, sempre me trataram com muito carinho, e naturalmente veio o convite para visitá-los. Relutei bastante, não me sentia a vontade de ir me hospedar em casa de desconhecidos. Por mais que as cartas tivessem nos aproximado, eu fiquei receoso.

Aconteceu que, um ano depois, fiz uma excursão com meus pais, saindo de Santo Amaro da Purificação para o sul do Brasil. De São Paulo abaixo, visitamos várias cidades. Um defeito no ônibus nos fez perder quase um dia em Erechin, interior do Rio Grande do Sul. Isto mudou os planos de D. Amélia, a organizadora da viagem. O dia que passaríamos em Porto Alegre, foi substituído pela ida a Gramado. Fiquei P. da vida. Estava morrendo de vontade de rever Lika. Ela nem tava na cidade, veraneava na casa de praia da família, mas viria para passar o dia comigo. Não deu outra, abdiquei de conhecer Gramado, um velho sonho de infância, para passar o dia com minha amiga. Isto foi motivo de muita briga. Tava namorando com uma menina na excursão, convidei-a para ficar com a gente mas ela não aceitou. Não acreditava que entre eu e Liane, só havia amizade. Por causa disto, a viagem de volta foi um inferno.

O dia em POA foi uma delícia. Passeamos pela cidade, ela me levou para conhecer a sua casa e lugares turísticos. Pegamos um ônibus errado, que sina hein?, mas no final nos encontramos. No fim da tarde ela me deixou no hotel que era defronte da rodoviária e pegou o ônibus de volta pra praia. Era janeiro, mês das férias, verão intenso.

No Dezembro seguinte. Deixei de lado as cerimônias, depois de passar um ano economizando os trocados que ganhava dando aulas particulares de matemática, embarquei na Itapemirim com destino a Porto Alegre para passar uns dias na casa de Lika. Como a viagem duraria 56hs, com baldeação no Rio de Janeiro, viajar de ônibus tem dessas coisas, avião faz conexão, ônibus baldeação. Combinamos que ligaria na véspera avisando o dia e horário da minha chegada. Liguei exaustivamente e ninguém atendeu. Fiquei apreensivo mas, de passagem na mão, malas arrumadas, não tive outra alternativa senão embarcar. Ignorando os conselhos do meu irmão Edmundo. Ele achava uma loucura eu perder as minhas férias e ir para o sul. Na época, ele tinha um preconceito idiota contra o povo gaúcho. Dizia que eram frios e temia pela forma como seria tratado. Não tinha idéia do quanto estava enganado.

Para piorar a situação, quando cheguei ao Rio, tinha duas horas de espera para pegar o outro buzu. Passei quase todo o tempo no posto telefônico ligando pra casa de Lika e, mais uma vez, ninguém atendia. Já quase na hora do embarque, resolvi fazer a última tentativa. Desta vez atendeu Suzana, sua irmã. A notícia não foi das melhores. Eu chegaria em Porto no dia seguinte, sábado. Liane estava em Rio Grande, viajando a trabalho e, só chegaria domingo. Foram insistentes os argumentos de Suky para que eu falasse a hora da minha chegada, eles me esperariam. Não tive coragem, a vergonha foi maior. O pior, é que os trocados das aulas particulares, não me subsidiariam num hotel em Porto Alegre, mesmo que fosse uma espelunca, por mais de dois ou três dias.

Sábado, 14hs, desembarca um bóia fria baiano em POA. Numa cidade desconhecida, pouquíssimo dinheiro no bolso e nenhuma referência. Lembrei que o hotel que fiquei na excursão era na frente da rodoviária. Foi o primeiro que procurei. Nem cheguei a falar com o recepcionista. O valor da diária, exposto na placa atrás do balcão, me fez logo dar meia volta. Rodei pelo centro até encontrar um hotelzinho barato, o Nova Guaporense, na Av. Júlio de Castilho. Me instalei, tomei um merecido banho e pensei: o que fazer agora? Dentro daquele cubículo é que não ía ficar. Mesmo que minha viagem, inicialmente programada para um mês, durasse dois dias, eu ía aproveitar.

Como bom caipira, fui para um shopping. De lá mais uma vez liguei. Desta vez me atendeu D. Celmira, mãe de Liane que, infelizmente, a vida já levou da gente. Não sabia naquele momento, que viria a ter por aquela senhora, um amor de filho. Ela ficou indignada ao saber que estando em POA não avisei, nem fui pra lá. Lembro até hoje as palavras dela: -Meu filho, estamos todos te esperando, Lika viajou a trabalho mas chega amanhã. Venha pra cá. Diga onde está e a gente te pega. Não consegui aceitar. Disse que no domingo quando Liane chegasse voltaria a ligar. Cometi o erro de, no meio do telefonema, falar o nome do hotel que estava. Do shopping, boêmio que sou, fui para um bar. Não consigo lembrar o nome. Tinha música ao vivo, de excelente qualidade. Fiquei por lá até altas horas. Tanto que, no dia seguinte, acordei tão tarde que perdi o horário do café do hotel. Desci para comer alguma coisa por perto e, a danada da velha, já tinha me localizado e deixado recado para que eu ligasse. Aí não tive escolha, liguei. Sem outra alternativa falei onde estava e Seu Arcy, pai de Liane, foi com Suzana me buscar. Daí em diante não dá pra falar da minha vida sem falar do Rio Grande do Sul. É a minha segunda terra, onde tenho amigos verdadeiros sobre os quais ainda falarei muito por aqui. Agradeço a Deus todos os dias por, numa tarde de julho de 85, entrar num ônibus errado.


Minha grande amiga Lika

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi!!!!!!!!!
Será que ainda mereço o título da foto?
Andei um tanto fora da casinha....
"Sempre fui desnaturada"....
Esta não foi a primeira vez que sumi do mapa.
Espero ser perdoada por mais este afastamento, mas eu precisei dele para entender algumas coisas.
Uma certeza podes ter.... és e sempre serás importante para mim. Não fiz contato antes por vergonha de ter sido tão "desnaturada" desta vez.
Um grande beijo com carinho
Lika
Meu e-mail continua o mesmo... e o teu?
Se eu fui perdoada me escreve...
Podem os quilômetros separar-nos dos "verdadeiros" amigos?