sexta-feira, 27 de abril de 2007

ILHA DO PIRATA – Quando Aparece Ivete Sangalo – V

O Show Festa de Ivete Sangalo - Parque de Exposições Salvador-Ba, 22 de Dezembro de 2001.

Não que João tenha feito algo pra me separar de Ray, é bom esclarecer bem este fato. É que suas idéias e um pequeno incidente num trabalho que fizemos juntos, com certeza ajudaram meu compadre a tomar a decisão de acabar nossa parceria.

João que também é artista plástico, chamou Ray pra dividir um trabalho que ele estava prestes a pegar, a decoração da cidade de São Gonçalo dos Campos-Ba, para o São João de 2005. Não foi o primeiro que fizeram juntos depois que eu estava com Ray, mas foi o último já que saí logo depois. Hoje eles continuam com esta parceria em alguns trabalhos que, de tanto talento, só pode ir muito longe. Na primeira vez, chamei João e expliquei a ele como era meu acordo com Ray, que era comissionado mas que tal comissão estava embutida no preço de cada serviço e que, cada desconto cedido pro cliente, automaticamente significava um desconto na minha remuneração. Ele aceitou prontamente e sequer cogitou a possibilidade de me propor algo diferente. Naquele São João, executamos o serviço em Amélia Rodrigues, cidade mais próxima de São Gonçalo onde João tem um sítio e mantém um atelier, bem perto de Feira de Santana, que tem um comércio muito bom sendo às vezes até melhor e mais barato que o de Salvador.

Passamos semanas no sítio de João e tivemos sérios problemas com o contratante que estava dando trabalho para pagar as parcelas acordadas no contrato. Isto deixou-nos com os nervos a flor da pele e numa noite, durante um balanço financeiro, João disse achar que na comissão, eu estava ganhando demais. Pensava ele que eu, assim como todos os outros deveria ter um cachê específico previamente acordado. Ray concordou e falou que precisávamos revisar nosso acerto. Imediatamente fui contra. Não achava justo ele concordar , e não acho até hoje. Sei da importância da minha colaboração e para mim aquilo era uma desvalorização ao meu trabalho que jamais poderia aceitar. Os tons até se alteraram um pouco mas logo contornamos a situação. A verdade é que naquela mesa, meu destino profissional começou a mudar. Concluído aquele trabalho, um mês depois Ray dissolveu a nossa parceria, mas nunca a nossa amizade.

Sei que este não era o momento, mas já que João entrou na história, resolvi completar a informação. Voltemos pra Porto Seguro de onde não deveríamos ter saído.

Enquanto a equipe trabalhava sem descanso em Salvador, voltei sozinho a Porto para tomar umas providências necessárias a nossa chegada com a equipe e o material. Alugar uma casa para hospedar a galera, contratar secretária para fazer café da manhã, janta e lavar a roupa do pessoal, combinar com a equipe da ilha como seria a montagem e permanência do material por lá, contratar um barco para o nosso deslocamento diário pra ilha bem como o transporte do material e equipamentos, acertar o fornecimento de almoço durante a montagem, pesquisar o comércio local e essas coisas de produção. Tudo resolvido voltei para Salvador me reintegrando à turma até estar tudo pronto para o embarque final.

Eu, Carlinhos e Renato fomos de carro, se não me falha a memória em 20 de setembro de 2001. Saímos cedo e entramos em Porto Seguro às 21hs. Ray foi de avião dois dias depois pois estava entregando um cenário para televisão que acabara de concluir, Paulo foi conversando sem parar durante toda a viagem com o motorista, na boléia do caminhão que levou as peças e equipamemtos e o resto do grupo de ônibus. No dia seguinte à nossa chegada, os meninos e o caminhão desembarcaram e imediatamente arregaçamos as mangas e botamos a mão na massa.

Durante os trinta e três dias que duraram a montagem, eu e a equipe íamos cedinho pra ilha. Estacionava meu carro no cais e ía de barco com a turma. Quando precisava de qualquer coisa, pegava a lanchinha que era de propriedade da ilha e ía pra cidade comprar. Quando o almoço chegava também atravessava o mar para ir buscar no continente. De tanto que rodei lá dentro, acabei conhecendo a cidade melhor do que muito morador. Costumava até brincar que já poderia ser motorista de taxi por lá. Só não conheci praia e pontos turísticos, mas o centro, a periferia e todo o comércio, virei de cabeça pra baixo.

Aqui abro um parêntese para falar da Ilha. Que lugar maravilhoso. Uma ilha temática, cheia de aquários imensos, com peixes de diversas espécies, tubarões, arraias e tantos outros. Na verdade, uma multi-casa de shows. Lá tinha festas todas as terças e eu, como bom noctívago, não perdi uma sequer. Lá existem vários ambientes. Um espaço para forró, outro para MPB, o meu preferido, uma boate, bares, restaurantes, lojinhas de souvenirs e um palco central para grandes shows. A noite, quando iluminada, principalmente os aquários, ficava deslumbrante. Nos dias de show a ilha enchia de turistas que muitas vezes se excediam. Era comum na manhã seguinte, encontrarmos camisinhas usadas e pontas de cigarro de maconha pela chão. Nunca vi tantas mulheres bonitas reunidas num mesmo lugar como naquelas noites de terça.

Faltando umas duas semanas para inauguração, eu estava junto de Ray quando o celular dele tocou. Vi que ele estava explicando para o interlocutor estar ocupado no momento por causa do trabalho em Porto Seguro mas assim que voltasse a Salvador manteria contato para falar sobre o assunto. Era Cíntia Sangalo, irmã de Ivete que queria contratá-lo para criar e executar o cenário do show de lançamento do seu próximo cd, FESTA.


O cenário de Festa antes do show.

quinta-feira, 26 de abril de 2007

CARNAVAL DE OLINDA – Muito Frevo , Bode e Forró! - II

Só quando desci do carro descobri que Jô segurava uma banda de bode. Este foi o cardápio do carnaval. Bode assado, bode frito, bode ensopado, farofa de bode, bode de tudo que é jeito. Pra mim que adoro foi tudo de bom, mas se alguém alí não gostava da iguaria, se deu mal. Na verdade quase que só fazíamos uma refeição por dia, o café da manhã, já que passávamos a maior parte do tempo na rua. Dormíamos sempre muito tarde mas eu e Jô acordávamos cedo e dávamos conta do almoço, ou café da manhã se prefirirem..

Depois dos cumprimentos, matadas as saudades, fomos apresentados a Mersinho, Emerson. Primo de Jô que também filava* a hospedagem e alimentação no carnaval. Uma figura esse cara. Aprontou todas. Não deixava ninguém dormir direito já que chegava lavado** no meio da madrugada e ficava feito Zumbi perabulando pela casa. Cada dia aparecia com uma namorada diferente e, por causa dele, Aninha e Jô quase brigaram feio. Uma certa manhã, apareceram quatro mulheres muito interessantes procurando por ele. Se não estou enganado eram Maranhenses que passavam o carnaval por lá e estavam hospedadas perto da casa de Josildo. Na noite anterior conheceram Mersinho em Olinda. Este que morto de ressaca ainda não tinha levantado, não foi atendê-las. Jô, um sujeito muito educado, ficou cheio de atenções e deferências para com as donzelas. Aninha não gostou nada daquilo e tratou de botar as moçoilas pra correrem dando um corretivo em nosso amigo.

Arriadas as malas, fomos ao banho enquanto Jô botava um bodinho pra fritar. Na vitrola, a todo volume, Virado Num Paletó Veio, o primeiro cd do cara. Puro forró, um pé de serra de primeira com elementos da música eletrônica. Ouvimos o disco todos os dias o tempo inteiro que estávamos em casa. Antes de botar o pé no frevo, a galera dançava muito forró. Digo a galera mas não posso esquecer de excluir-me já que não danço absolutamente nada.

A nossa rotina era sempre a mesma. Acordávamos, batíamos um prato*** de bode a alguma coisa, destampávamos a primeira de uma interminável sucessão de garrafas de loiras geladas intercaladas por goles de branquinha**** com caju, Virado rolando no som até que lá pelas 15hs íamos pra Olinda e só voltávamos madrugada adentro. Eu que nunca fui chegado a carnaval, tirando os que trabalhei sempre fugi dos carnavias de Salvador, amei o de Olinda. Pela beleza plástica, pela verdadeira manifestação popular, os bonecos, as ladeiras da cidade encantadora que, por sinal, já conhecia. Embora muito cheia, nem de longe se compara a confusão e ao aperto que rola no carnaval da Bahia. Fiquei encantado de ver os blocos e cordões de Olinda. Tudo feito pelo povo pobre que extravasa as tensões do dia-a-dia, em poucos dias de muita alegria. Claro que hoje existem diversas instituições que apoiam tal iniacitiva, mas, com certeza, muita gente ainda gasta do pouco que ganha para fazer aqueles bonecos e fantasias. Muito lindo! E o frevo? Um ritmo contagiante, uma dança muito bonita. Tentei ensaiar uns passos mas o desastre foi total.

Outra coisa que me chamou a atenção, foi o fato de não ter visto uma briga sequer durante a festa. Óbvio que deve rolar, afinal com tanta gente reunida num mesmo lugar e os ânimos alterados pelo excesso de álccol, é impossível conter uma confusão. No entanto demos sorte e não vimos nenhuma. Tudo transcorreu na mais profunda paz e harmonia. Guerra mesmo só a de água. Um tradição por lá. As pessoas ficam atirando jatos d´água nas outras com uma pistolinha plástica vendidas aos montes pelos ambulantes. Dizem até, que quando se atira em alguem, está se demonstrando interesse pela pessoa. Acho que isso não é verdade, tantos foram os jatos que recebi de verdadeiros aviões. Não acredito que aquelas gatas tivessem interessadas em mim. Ainda mais que estava acompanhado da infalível marcação de Cynthia.

Na segunda quebramos a rotina. Muito cansados das farras dos últimos três dias, resolvemos não ir pra Olinda e fomos à praia, ali mesmo na Boa Viagem, pertinho de casa. Como sempre já saímos calibrados e demos continuidade na beira do mar. Aí me passa um tal de Roberto vendendo caldinho. Tinha de vários sabores e estranhei o fato dele colocar um ovo de codorna dentro do copo. Cynthia, exagerada como sempre, tomou vários comendo todos os ovinhos. Toda hora gritava: - Roberto, vem cá! Juntando com as roscas e os incontáveis copos de cerveja, o resultado não foi nada bom. A noite, no Recife Velho, em pleno show de Geraldo Azevedo, ela passou mal, dizia que ía morrer. Fomos para um abiente mais arejado, longe da multidão e ela melhorou um pouco. No entanto não quis mais ficar na rua. Deixamos o carro com os meninos e voltamos pra casa de taxi. Eu não acertaria chegar.

Voltamos à Olinda na terça. Antes de sair de casa aconselhei Josildo a não levar a garrafinha de cachaça que levávamos todos os dias para bebericar entre uma cerveja e outra: - A gente já bebeu demais neste carnaval, amanhã vou pegar a estrada e preciso acordar inteiro. Prontamente ele concordou comigo e não falamos mais nisto. Por volta das 18hs, lá em Olinda, animado por uma série de loirinhas geladíssimas, chamei Jô nun canto e disse: - Já tô arrependido de ter te dado aquele conselho, um gole da branquinha agora ía cair bem. De imediato ele falou: - Quem disse que ouvi seu conselho? enquanto sacava do bolso a bendita garrafa responsável pela ressaca que me acompanhou durante os 800kms que separam Recife de Salvador. Foram inesquecíveis aqueles dias, morro de saudades deste carnaval.

Capa do segundo cd de , Coreto. Criação de Jorge Hopper



*Filar: Pedir, usufruir de graça.
**Lavado: Bêbado.
***Branquinha: Cachaça.
****Bater Um Prato: Comer

quarta-feira, 25 de abril de 2007

AS VOLTAS QUE O MUNDO DÁ


Conta a lenda que Zeboré, através da genética, herdou de seu pai uma de suas principais qualidades: ser um homem de visão. Intelectual, empresário bem sucedido, Zé tinha suas convicções e as defendia com unhas e dentes. Dentre elas a de que futebol era coisa de maluco, de quem não tinha o que fazer. Achava um absurdo, um ser humano passar a tarde de domingo com um radinho de pilha na mão, escutando palavras inaudíveis do locutor gritando feito um insano. Para ele isto era prenúncio certo de depressão na segunda. Exceto por farras homéricas tendo como pretexto os jogos do Brasil nas copas do mundo e umas poucas incursões a estádios levados por amigos loucos, segundo ele, apaixonados pela arte de chutar a bolinha.

Um alvo certeiro das suas críticas era o seu irmão Dibi. Torcedor fanático do Arranca Toco, principal rival do Perna de Pau, os dois melhores times da cidade onde moravam. Dibi era daqueles piolhos de estádio, onvinte assíduo de jogos e resenhas. Dos que se fantasiam dos pés a cabeça nos dias de peleja e, assim como todo bom torcedor, detesta quando falam mal do seu time ou da sua paixão. Frustradas foram todas as tentativas de Dibi de convencer Zeboré do contrário. Fazer vê-lo a beleza do esporte, a integração do torcedor, a diversão saudável que alivia as tensões da vida e das preocupações pessoais. Dibi desistiu, pensava estar ali um caso perdido. Estava enganado. A vida dá muitas voltas e às vezes nos prega peças arrasadoras.

Depois da bancarrota, Zeboré se viu na mais profunda depressão. Sem trabalho ou perspectiva, sua reserva esvaindo-se pelo ralo abaixo, sem luz no fim do túnel. Já quase jogando a toalha, Carequinha, grande amigo de vida, outro louco apaixonado pelo esporte, assume uma função na diretoria do Perna de Pau e convida-o a assessorá-lo. O salário não era dos melhores, mas qualquer coisa é melhor do que nada. Assustava-lhe a idéia de trabalhar neste mundo do qual se considerava um ET. Sem opção mais aprazível Zeboré aceitou o desafio.

Ainda segundo a lenda, uma semana depois, nosso personagem foi visto vestido de Perna de Pau até o pescoço, gritando desesperadamente no meio da torcida nas arquibancadas do estádio do seu, agora, clube do coração, discutindo regras, ou cagando-as talvez, e ainda por cima empunhando rente ao ouvido, um rádio de pilha que mais parecia um micro system. É isso aí Zeboré, esse mundo dá voltas….

terça-feira, 24 de abril de 2007

ILHA DO PIRATA – Conhecendo Porto Seguro – IV

O Portal de Entrada da Ilha

Quando eu morei em Belmonte, no sul da Bahia, ainda com 02 anos de idade, tive em Porto Seguro pela primeira, e até 2001, a única vez da minha vida. Não guardo lembranças desta viagem, apenas a visão de um mar cheio de recifes em barreias que dava a impressão de haver um muro natural separando a costa do mar. Até hoje não sei que praia é aquela. Mesmo nos mais de quarenta dias que passei por lá no início deste século, não consegui reconhecê-la. Embora longos dias na cidade turística, isto somando as quatro vezes que lá estive naquele ano e no ano seguinte, muito poucos passeios ou quase nenhum, pude fazer. Era trabalho de domingo a domingo, exceto pelas noites boêmias com Renato Vianna irmão de Ray, quase nenhuma diversão. Estou sendo muito injusto já que aquele trabalho foi uma verdadeira diversão. Duro sem dúvida, mas divertido.

Em Setembro de 2000, a Perto da Selva dava claros sinais de declínio e eu vinha muito insatisfeito com as condições de trabalho na época. Foi aí que Ray, saindo de uma experiência frustrada com a empresa Pauppuro Design e Arte e com a vida financeira virada de cabeça pra baixo, me pediu socorro. Ele havia dissolvido a sociedade que tinha na Pauppuro, aberto uma nova empresa, mas as dívidas e a total falta de talento para administração das finanças, estavam emperrando sua vida. De início foi coisa de amigo. Trabalhava o dia inteiro na Perto da Selva e ia à noite pro seu escritório e atelier no bairro da Boca do Rio. Equacionei a separação do antigo sócio que até então andava travada por falta de entendimento, renegociei as dívidas com o banco e fornecedores e ajudei no planejamento de sua nova etapa de vida. Não havia convite para que eu ficasse efetivo.

Acontece que o destino nos reserva várias surpresas. Já em novembro, quando eu tinha acabado de voltar dos meus únicos quinze dias de férias gozadas após cincos anos na Perto, a uma linha da explosão pela insatisfação total em que vivia, tive, em pleno expediente, uma briga séria com Edmundo, meu irmão e um dos três sócios da empresa. Nervos arrefecidos pela sensata interferência de Carlinhos Amaral, o gerente de lá. Aquele episódio foi preponderante numa decisão que tomei ali no mais inapropriado momento, o do descontrole emocional. Não fosse por Carlinhos tinha mandado Edmundo e Perto da Selva tomar naquele lugar ali mesmo. No entanto, mesmo com a interferência apaziguadora e dos diversos conselhos do experiente Carlinhos, não desisti de tal decisão. Edmundo não sabe, mas suas palavras naquele dia, foram à gota d´água. Era um momento difícil, Júlia acabara de completar um ano, eu não tinha nenhuma reserva monetária, meu casamento começando a desmoronar e nenhuma outra perspectiva de emprego.


O Pirata da Montila










Cenário Para Fotografias
Réplica em tamanho natural de um ser humano, do símbolo do Run Montila.

Foi assim que fiz minha proposta a Ray. Sabia que ele não poderia pagar nem metade do que eu ganhava, mas apostava muito no seu trabalho. Antes de pedir a demissão, conversei com ele. As bases eram as seguintes. Ele me pagaria um valor fixo que equivalia na época a menos de um terço do que ganhava e um percentual sobre o bruto dos trabalhos fechados dali por diante. Embutiríamos esta comissão no orçamento de cada serviço. Era aí que eu apostava. Sabia que em alguns serviços, poderia tirar um pouco do atrasado e, na média, equivaler aos meus proventos anteriores. Acertamos tudo, com a promessa de em dois anos, havendo melhora no desempenho da Ray Vianna Design e Arte, o nome fantasia da nova empresa, repensaríamos as bases no sentido de haver aumento no meu fixo e no percentual da comissão. Consegui que a Perto da Selva me demitisse e, com isso, recebi a minha indenização podendo também retirar meu FGTS. Não durou muito tempo esta grana, os primeiros meses com Ray foram muito difíceis.


Sinalização - Placa com o mapa completo do lugar, ao estilo dos mapas piratas.

Foi quando, por volta do meio do ano de 2001, apareceu a proposta que dá título a esta série de textos, Ilha do Pirata, por intermédio de um produtor baiano, Rodrigo Palhares, que conhecemos na época da Timbalada, estabelecido em São Paulo. Ele tinha contrato com a Seagram´s do Brasil, fabricante do Run Montila, para ambientar uma ilha em Porto Seguro, a Capitania dos Peixes, com o merchandising da bebida. A ilha passaria a se chamar Porto Montila, A Ilha do Pirata. Foram intermináveis minutos de conversas telefônicas até chegarmos a um consenso no valor do projeto. Neste meio tempo, fizemos a primeira viagem ao local. Eu Ray e Renato. Fotografamos a ilha inteira, imensa por sinal, tiramos medidas, fizemos as locações de peças que já haviam sido previamente solicitadas mesmo antes do projeto chegar ao papel. Ainda sem nada fechado, no meio das negociações, Ray mergulhou no mundo dos filmes e livros piratas. Este foi inclusive um projeto feito no sentido contrário. O projeto foi apresentado sem a definição de valor pelas partes, junto com o respectivo orçamento. Tira peça daqui, altera material dali até chegar a um número aprovado pela Seagram´s.

O Bar do Pirata - Um dos Ambientes da Ilha.

Recebida a primeira parcela, começou o trabalho de execução. Vale ressaltar que, além da parte administrativa dos negócios, eu também fazia o papel de produtor executivo. A empresa tinha um grande cast de funcionários, eu e Paulo Pipoca. Este uma figura incrível. Um cara espirituoso, com múltiplos talentos. Carpintaria, marcenaria, fibra de vidro, pintura, cozinha dentre tantos outros. Quando quer, sabe ser o cara mais chato do mundo. Nunca para de falar, mas estou pra ver a pessoa que não goste dele. É o que se chama de pau para toda a obra, um animal para trabalhar. Ray já tinha pré-montada uma equipe de primeira que era sempre contratada para os maiores serviços, além de Carlinhos, O Sócio, como o chamo, dono da JC Montagens, figura indispensável, juntamente com sua equipe, nos serviços de Ray. Ao todo entre a equipe de Ray e de Carlinhos, vinte e uma pessoas foram arregimentadas para trabalhar no projeto. Só tínhamos dois meses para execução e montagem já que batemos martelo no início de agosto e a ilha inaugurava em vinte e três de outubro. Só para citar alguns, Jorge Estrela, o chefe da produção, Renato Vianna que, juntamente com Ray, gerenciava a parte artística e de modelagem, um outro Paulo, o Pity Bitoca, que além de multi-funcional, nos fazia dar risada o tempo todo, Juca, Rafael, Nonô, Tararita, Mezenga, Dae, Cid, Mun, Edson, Tico e muitos outros. O trabalho começou na Boca do Rio. Foram dias memoráveis com aquela equipe reunida, totalmente entrosada. Muita risada, almoços maravilhosos preparados por Paulo Pipoca e, às vezes, por mim, várias garrafas de Montila, já que tínhamos de prestigiar o nosso patrocinador, e por aí vai. Muito foi feito lá, até os vizinhos darem queixa na prefeitura reclamando do cheiro de thinner e dos fios de lâminas da fibra de vidro. Era uma área residencial e tivemos que mudar de mala e cuia para o galpão da JC aceitando o convite de Carlinhos. Foi durante estes dias da Boca do Rio que conheci um cara de quem sou admirador e gosto muito até hoje, com quem simpatizei da primeira vez que o vi, mas, falo isto sem nenhuma mágoa, foi um dos fatores responsáveis pela minha separação profissional de Ray. João Teixeira.

OS BUGS DO BLOG

Os mais observadores devem perceber alguns problemas de formatação nos textos aqui publicados. Parágrafos sem separação de linha ou uma linha deslocada separando versos sem a menor necessidade. Acontece isto em vários textos deste blog.

Ao contrário dos erros gramaticais, de grafia e acentuação, este fato não se deve à ignorância ou desatenção deste projeto de escritor. Pelo contrário, tenho a maior preocupação com a estética da formatação de cada texto. Deve-se sim a um problema do blogger, o programa utilizado para montar um blog, que os entendidos da palestra cibernética denominam BUG. O bug, tentando explicar na linguagem dos simples mortais, é um problema na programação que acarreta comportamentos estranhos e/ou instabilidades durante sua execução. Alguns softwares inclusive, disponibilizam atualizações periódicas para os usuários, com a finalidade específica de corrigir tais desalinhos, só descobertos após o uso contínuo de suas funções. No complexo campo da informática, isto é muito mais comum do que se possa imaginar.

Por isso peço perdão aos perfeccionistas, a mim também incomoda deveras.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

“PUXA UM BANCO E SENTA” – Roda de Chimarrão

Roda de Chimarrão
(Kleiton e Kledir)

Esquentei a água no fogareiro do boitatá
tô cevando um mate com erva boa da barbaquá.
E vâmo charlando e contando causos que "já lá vão",
é o sabor do pampa, de boca em boca, de mão em mão.

Acendi uma vela, que é pro negrinho nos ajudar,
a encontrar as estórias, porque a memória pode falhar.
E sabedoria é fechar o amargo e viver em paz,
mate e cara alegre, porque o resto a gente faz.

Puxa um banco e senta que tá na hora do chimarrão,
é o sabor do pampa de boca em boca, de mão em mão.
Puxa um banco e senta vem cá pra roda de chimarrão,
vem aquece a goela e de inhapa a alma e o coração.

Dizem que não presta mijar cruzado pois dá azar,
se grudou os cachorro só água fria pra separar.
Diz que palma benta, pra trovoada, é o melhor que há,
e se assobiar o minuano, é certo que vai clarear.

Minha avó me disse que andar descalço dá mijacão,
cavalo enfrenado na lua nova fica babão.
Com passarinheiro e mulher sardenta é bom se cuidar,
e quem vai depressa demais, a alma fica pra trás.

Puxa um banco e senta que tá na hora do chimarrão,
é o sabor do pampa de boca em boca, de mão em mão.
Puxa um banco e senta vem cá pra roda de chimarrão,
vem aquece a goela e de inhapa a alma e o coração.

O melhor pra tosse é cataplasma e chá de saião,
pra acabar com a gripe só sabugueiro ou então limão.
Pra curar berruga é benzer pra estrela e invocar Jesus,
contra mau olhado, um galho de arruda e o sinal da cruz.

Chá de quebra pedra, ipê, arnica e canela em pó,
hortelã, marmelo, marcela, boldo e capim cidró.
Tudo tem remédio: churriu, cobreiro e má digestão,
só pra dor de amor é que não tem jeito nem solução.

Puxa um banco e senta que tá na hora do chimarrão,
é o sabor do pampa de boca em boca, de mão em mão.
Puxa um banco e senta vem cá pra roda de chimarrão,
vem aquece a goela e de inhapa a alma e o coração.


Costumo falar que para conhecer bem uma cidade ou estado ou um país, é necessário conhecer o seu povo, suas tradições, sua cultura e, se possível, sua história. Por isso, quando viajo para um lugar pela primeira vez, procuro por em prática tais convicções. Começo sempre por andar nas ruas, conversar com os nativos, pegar ônibus coletivo, trem, visitar mercados públicos, feiras, museus, casas de cultura, tudo isto é um excelente começo. Interagir, esta é a palavra, é fundamental. Ficar visitando pontos turísticos vai com certeza engrossar o seu álbum de fotografias, mas jamais fazê-lo conhecer bem um lugar.

Mesmo antes de conhecer o Rio Grande do Sul, tinha muita curiosidade pra entender o chimarrão e toda a tradição que ele carrega. Descobri então que tomar o mate vai muito além de saborear um chá, tem todo um ritual em torno dele, que deve ser seguido à risca se você pretende de verdade mergulhar no âmago deste costume.

Tomar chimarrão é como beber, pra quem gosta é muito bom fazer sozinho, porém, com amigos a volta, a prosa rolando solta, é muito melhor. Este é um dos elementos que mais me agradam nesse costume, a famosa Roda de Chimarrão. Uma comunidade em confraternização, onde as pessoas interagem de maneira fraterna, aproximam-se mais, estreitando laços de amizade e companheirismo.

A roda de chimarrão tem suas regras e mandamentos, que pra alguns pode parecer frescura, mas, na verdade, são fundamentais para o bom desenrolar da confraternização. Em primeiro lugar é preciso saber preparar o mate o que é sempre feito pelo anfitrião. Põe-se a água no fogo enquanto prepara-se a cuia, o que se chama de cevar o mate. Enche-se aproximadamente de 60 a 70% da cuia com a erva. Veda-se a parte superior da cuia com a palma da mão inclinando-a de modo que a erva concentre-se num único lado. Mantendo a inclinação levemente despeje água morna ou fria no lado da cuia onde não há erva. Deixe inclinado até que a erva absorva a água. Isto dará sustentação à erva, de modo que, ao por a cuia de pé, ela mantenha-se apenas de um lado. Esquente a água até que a fervura esteja próxima. Nunca deixe a água ferver. O momento certo de desligar o fogo é quando começar a ouvir um chiado proveniente da chaleira. Despeje água no lado vazio da cuia até completá-la. Verifique se não há entupimento na bomba soprando-a. Vede a boca da bomba com o dedo polegar e introduza-a com a face do círculo inferior paralela à erva. Rode a bomba fixando a ponta num dos cantos até que fique firme (verifique como fica o mate montado na ilustração acima). Caso a água desça quando retirar o dedo da bomba, ele está pronto para ser saboreado. Se isto não acontecer, é bem provável que a bomba tenha entupido e aí será preciso muita habilidade para recuperá-lo. Na maioria das vezes não dá certo. Já vi muito gaúcho especialista desistindo de tal intento.

Neste momento o anfitrião vai se servir da primeira cuia. Isto, ao contrário do que possa parecer, é um ato de educação e deferência. A primeira cuia é a pior de todas. A mais amarga, a que mais contem a poeira da erva, uma vez que esta ainda não absorveu bem a água. Algumas pessoas inclusive, este é o meu caso, não engolem a primeira água. Puxam e cospem-na, tomando apenas da segunda vez em diante. Após tomada a primeira cuia, o anfitrião enche-a novamente e passa para a pessoa a sua direita. Esta terá que tomá-la toda, devolver ao anfitrião para que ele torne a encher e passe para o próximo. Este ritual se repete em moto-contínuo, sempre respeitando a ordem dos participantes. Jamais tome pela metade, deve-se tomar toda a água até roncar quando se puxa, jamias peça um gole de quem estiver com a cuia na mão, mexa na posição da bomba ou solicite açúcar. São erros imperdoáveis pra quem leva a sério a tradição.

Neste passa-passa a conversa rola solta. Os mais variados assuntos são abordados, dos mais fúteis aos mais eruditos. As pessoas se soltam deixando-se levar pela delícia do mate e da confraternização.

Engana-se quem pensa que chimarrão é bebida de frio. Em algumas regiões do sul, determinadas épocas do ano, o calor chega a ser mais escaldante que o nordestino, mas o prazer de tomar o mate é o mesmo. Claro que, como é uma bebida ingerida na mais alta temperatura suportável, ela aquece o corpo e as idéias. Por isso se for convidado não se faça de rogado. Puxa um banco e senta!

Regionalismos Gaúchos

Boitatá: Fogo-fátuo. Vem do Guarani, mboi, cobra e cobra de fogo. É uma emanação de hidrogênio fosforado, muito leve, que tende a seguir o cavaleiro que viaja à noite obedecendo ao deslocamento de ar que o mesmo produz.
Cevando Um Mate: Preparando o chimarrão.
Barbaquá: Tipo de forno utilizado para a secagem da erva mate.
Charlando: Conversando, palestrando.
Causos: Estórias.
Já Lá Vão: De muito tempo, antigos.
Pampa: Denominação dada às vastas planícies do Rio Grande do Sul e dos países do Prata.
Negrinho: Referência ao Negrinho do Pastoreio. Reza a lenda que era um escravo de cor que tornou-se uma espécie de anjo bom dos pampas que ajuda as pessoas a encontrarem coisas perdidas.
Fechar o Amargo: Preparar o mate.
De Inhapa: De quebra, de brinde.
Minuano: Vento frio e seco que sopra do sudoeste no inverno.
Mijacão: Tumor ou abcesso que aparece na sola dos pés de quem costuma andar descalço.
Cavalo Enfrenado: Cavalo cujos freios foram colocados na boca.
Passarinheiro: Diz-se do animal de montaria que, andando na estrada, se assusta com qualquer coisa, priscando para os lados.
Churriu: Dor de barriga, diarréia.
Cobreiro: Erupção que se alastra pela pele.

Fontes de Pesquisa: Minidicionário Guasca (Gaúchês) de Zeno Cardoso Nunes e Rui Cardoso Nunes. Editora Martins Livreiro, 1986 e a convivência com o povo gaúcho.

domingo, 22 de abril de 2007

BOTANDO O PÉ NA ESTRADA...


Quando ela me disse que seu par
tinha
um genuíno daguerreótipo
que lhe sacava poses
de óculos,
no Cantábrico,
comendo merluza e aspargos
eu estava próximo demais
pra precisar de fotos
e lhe beijei nos lábios.


Não sei se o texto é exatamente assim(corrigi depois de postar todo errado e tomar carão do Poeta), mas sei que serviu pra quatro coisas na minha vida: descobrir o significado de "daguerreótipo", a localização do Cantábrico, o sabor dos aspargos e escrever estas linhas...

DILACERADO

Escrever me fascina,
Escrever me destrói,
Escrever me faz bem,
Escrever me faz mal.

Escrever é um vício,
Uma fonte de espermas ,
Uma daninha erva ,
Um caminho sem fim.

Quando escrevo me abro
Sem pudores, reservas,
Tudo que vai na pauta
Brota dentro de mim.

sábado, 21 de abril de 2007

O BLOG DE EDMUNDO - Papos Com Adriano IV

"De Como O Velho Diu, Numa Tática Sutil e Internacional, Prova Por A + B Que Existe A Metafísica Mesmo na Cidade da Bahia"

SSA 19/04/07
Edmundinho,
Desculpe se destilei minha maldade sem dó nem piedade, mas a indignação e o estado de humor, que não estavam dos melhores quando lhe respondi não me deixaram fazer diferente. Um erro não justifica o outro, algum sábio já falou. Lavemos nossa roupa em casa e deixemos os malucos, digo leitores, que nos acompanham, já que eles existem mesmo, os comentários não me deixam mentir, livres dessa pendenga. Por mim também não haverá mais vasos, torneirinhas, sofás, cigarros, sons, dvds, nada mais ligado no blog, mesmo que fiquem ligados em casa.

Fiquei feliz ao ver você elogiando o meu texto. Devorador de livros e, para mim, um escritor de excelente nível, sua opinião me soa técnica e, como te conheço muito bem, bastante sincera. Isto me incentiva a continuar com o blog, empenhando meus mais heróicos esforços no sentido de tornar maduras as linhas de tal dissertação. Tenho consciência que preciso ler bem mais para isto, o que não tenho feito muito ultimamente. Continuar escrevendo também, é um bom caminho.

Embora sejamos irmãos, acredito que mutuamente, muita coisa desconhecemos um do outro. Minha vontade de escrever sempre foi muito grande embora eu não falasse sobre tal. Por diversas vezes botei no papel palavras que se perderam nas lixeiras dos escritórios, rodoviárias e aeroportos. Depois do seu blog, que chegou num momento onde esta vontade latejava com força dentro de mim, depois do Cozinhar Faz Bem onde extrapolei a fronteira da receita simples e pura, inserindo alguns textos no contexto geral(quanto texto!), senti coragem de expor a cara a tapa e publicar os meus rabiscos. Como conversávamos ontem, o blog não deixa margens a arrependimentos, clicou em publicar foi. Pode tá ruim como for, não dá pra voltar atrás. Isto é de certa maneira bom. Escondido por trás de um monitor, sem mirar os olhos de outrem, fica mais fácil se expor. É como aquele cara que namora pela internet, onde sempre é malhado, bonito e alegre, com a menina loira de olhos azuis (não sei quem inventou este estereótipo de beleza, maluquice), corpo perfeito e sorriso encantador. Assim eu me sinto postando no blog.

Às vezes bate o arrependimento. Quando publiquei a crônica Reservado para Idosos, Gestantes e Deficientes deu até vontade de deletar. Não senti firmeza no texto, mas resolvi deixar. Horas depois, já consegui ler com ouvidos de quem não era autor, até que gostei. Este talvez tenha sido o texto que você mais elogiou. Justamente um dos que mais me deixaram inseguro. Hoje recebi um e-mail de uma antiga colega de SENAC, elogiando meu blog, usou o termo "maravilhoso". Sei que aí tem um bocado de gentileza, não precisava tanto, mas conheço a peça e sei também que gostando ela tá. Pena que me mandou por e-mail, não expôs aos quatros ventos através de um comentário. Todo mundo tem direito a um pouquinho de vaidade, não seria eu a Madre Teresa.
Um beijo do irmão arrependido mais nem tanto,
Aline.
P.S. Você tanto fez que venceu. Assumo publicamente o compromisso de uma noite por semana de sofá livre pra você. Aproveite logo a de hoje que chegarei tarde em casa já que vou sofrer com meu Baêêêêêêêêêêêêêêêaaa, e assista inteiro O Perfume, uma excelente adaptação do livro. Li aos 18 anos mas, depois do filme, voltarei àquelas páginas geniais.

SSA, 19/04/07
Cara:
Acabei de vir do Aurélio, você foi longe. Nunca ouvi esta palavra antes.
Sentina. (Do lat. sentina) S. f. 1. Ant. O porão das galés. 2. V. latrina (1). 3. Fig. Lugar muito sujo, imundo. 4. Fig. Pessoa viciosa.
Valeu!

Adriano
SSA, 21/04/07
Querido Adriano, não há alternativas para o fato de escrever. Ou você escreve ou não escreve. Uns mais, outros menos. E você e eu estamos no grupo dos que fazem - ainda que dos que fazem menos; mas escrevemos. O resto, já que não somos tão especiais, é ralar a bunda no cimento pra ver se lustra e nunca parar de trabalhar para afiar a peixeira. Continue que, com o tempo, verá resultados cada vez melhores.
Sabe que você tem razão? Apesar de irmãos, em alguns pontos, pouco sabemos um do outro. Por isso vamos tratar de consertar essa coisa aqui e aí no seu blog. Sei que voltaremos muitas vezes a esse assunto, que se promete tão rico.
Mas, querido irmão, eu não queria tratar disso aqui em carta tão carinhosa e espero que você me perdoe, não se zangando por, sem querer, macular um pouco esse momento de troca-confetes que se abateu sobre nós – irmãos unidos, na carne, na vida e no sangue, com tantas histórias juntos que é até difícil acreditar pela nossa diferença de idade.
Velho Diu, voltando à questiúncula, a esse reles detalhe que a minha imperfeição de caráter teima em retornar, devo esclarecer que fico deveras emocionado com tanta nobreza de espírito na questão do sofá porque sei que, em se tratando de você, me franquear uma migalha de direito já é um avanço digno de nota. E não sou soberbo para, mesmo lidando com esse universo mais micro do que o da nanotecnologia, desdenhar das dádivas que me chegam. É claro que me sinto honrado com tanta concessão, mas o que me outorga sua beneficência meu senso de oportunidade já tem desde que cheguei aqui na casa de Mame Blue, quando descobri que sofá nenhum teria se assim não agisse.
Não estou falando de locupletar-me do seu dito cujo enquanto Vossa Excelência está nos pastos enchendo a cara. Pois, já que você não está em casa e dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço e ainda não ficou provado que você tenha (ou venha a ter) o dom da ubiqüidade, é natural que eu ocupe aquele espaço vazio já que vossa pessoa está na rua.
Não. Não é disso que falo meu amado irmão. Falo da sublimação interior que permite a alguém abdicar, pelo menos por umas poucas horas, das coisas essenciais em favor dos outros e – principalmente - dos mais descamisados (detesto esse termo) e desprotegidos da sociedade.
Sei que é difícil pôr estas sugestões em prática, pois também me apego a tudo - inclusive a você que amo muito. Mas ficaria mais feliz e satisfeito se o visse, ao menos um dia no ano (uma vez por semana seria o ideal), me permitir lá deitar para assistir o meu filme quando você estivesse em casa. Fazer o sacrifício de ir ler no seu quarto decorativo, rolando de insônia e ódio, babando por meu pescoço e minhas vértebras, enquanto eu me deleito na película é que se chama caridade. Intoxicar-se de amor ao próximo sem esperar retorno algum. Não estou cagando regras porque também sou um desastre nesses quesitos que cobro de você, mas quero deixar expressa - com argumentos claros - a lógica da minha recusa de sua concessão metafísica (o que vem a ser o mesmo que concessão nenhuma).
Deitar no sofá enquanto você vai ver o seu Baêêêêêêêêêêa não está me dizendo nada porque isso eu já tenho. E por falar no seu time, que só dou a ousadia de citar no meu blog porque você pôs – sem nenhum transtorno aparente - o meu no seu, confesso que não li na sua amável resposta nem uma vírgula sobre a questão do meu fígado e dos jogos do Vitória fora de casa aos domingos e feriados.
Esperando algo mais concreto, da próxima vez que você se manifestar, despeço-me carinhosamente.
Bode Zé
P.S. Um dia, depois das 22:00hs, já sem criança na sala, te falo sobre as loiras de olhos azuis. Me lembre. E, sobre O Perfume, um dia talvez eu te fale sobre olfatos, mas aí os velhos também terão de sair da sala junto com as criancinhas.

CARNAVAL DE OLINDA – Muito Bode, Forró e Frevo! - I



Capa do primeiro cd de Josildo Sá, Virado Num Paletó Véio, criada por Ray Vianna. 1999.

"Adriano, você faz parte da inteira." Assim diz a dedicatória de Jô no cd que me deu neste carnaval.

Quando meu amigo Josildo Sá estava com seu primeiro cd, Virado Num Paletó Véio, pronto, perguntei se tinha arregimentado a banda para o show de lançamento. – Banda? Quem tem banda é Michael Jackson, eu tenho uma inteira! Esta expressão é a cara de Jô. Foi justamente na casa dele que passei um dos melhores carnavais da minha vida. Na época, morando em Recife, onde vive até hoje, no bairro da Boa Viagem, Jô nos recebeu, a mim, minha então namorada Cynthia, meus atuais compadres, Ray e Guta e outros agregados. Tal folia momesca, ficou marcada nas nossas memórias como o carnaval do bode, do forró e do frevo. Cada um há seu tempo chegará na história.

Comecemos pelo ponto de partida, Salvador-Ba. Sexta-feira de carnaval, 1999, eu e Cynthia saímos de casa às 8hs, passamos para pegar Guta num bairro vizinho, Ray iria no dia seguinte de avião, ocupado que estava com os trabalhos para os blocos, e às 9hs estávamos na estrada. Na bagagem, além de roupas, uma caixa de cerveja em latas quase empedradas num isopor cheio de gelo potável e uma garrafa de whisky. Nossa inocência achava que era pra tomar em terras pernambucanas. Não resistimos à primeira parada em terras sergipanas.

Planejamos a viagem por um roteiro alternativo, iríamos pela estrada do mar. Depois de Aracaju, seguindo pela BR 101, alguns quilômetros a frente, dobra-se à direita com destino a Neópolis, ainda em Sergipe. Lá, em uma balsa, atravessamos o rio e fomos dar em Penedo já em Alagoas, onde paramos para almoçar. Por causa desta parada, a viagem ficou dividida em duas partes significativas. AP (antes de Penedo) onde, exceto por um deslize em Estância-Se, já que lá entornamos uma dose do malte e duas inocentes latinhas, a viagem transcorreu normalmente sem maiores problemas, e DP (depois de Penedo) onde irresponsavelmente arriscamos a nossa e a vida dos outros, chapados que ficamos de tanta cachaça. De uma coisa tenho certeza, nunca mais na vida faço uma loucura dessas, já basta uma outra viagem a Sampa, anterior a esta, que depois contarei por aqui. No cardápio um peixe maravilhoso, cujo nome assim como do restaurante, não tenho a menor lembrança. Penedo é uma cidade linda, extremamente charmosa e foi irresistível pra nós, comer uma aguinha* por lá.

De Penedo a Maceió, segue-se por uma estrada beirando o litoral. Naquele ano, encontrava-se em perfeito estado diante de reforma recente. Por ela entra-se na capital alagoana pelas praias mais lindas de lá. Cynthia, até hoje, não se encontrou na direção, Guta, recém habilitada, sem experiência, não quis encarar a estrada. Sobrou pra mim a responsabilidade de guiar o Uno 95, sob o abusivo volume do som, as doses e latas. Minha comadre, que sentou ao meu lado na frente, depois de Penedo, assumiu a função de co-pilota. Perto de Maceió, já com a língua um tanto embolada, ela própria se promoveu a copilouca. Paramos por volta das 18hs na praia do Francês, em Maceió, no intuito de curar, se é que era possível, a cachaça num banho de mar. Água deliciosa, límpida e quente. Renovadas as energias, estávamos pronto pra retomar a 101 com destino a Recife. Até ali, sob dia claro numa estrada que conhecia bem, foi muito fácil. De lá em diante, já com a noite à porta, cheio de água na cabeça, por caminhos nunca dantes dirigidos, o inferno esteve próximo. Por várias vezes parei para molhar o rosto e reanimar. Prontamente a copilouca me servia de outra dose, já que as latas jaziam vazias num balde de lixo da praia do Francês.

Heroicamente, às 23hs, entramos no Recife. Meu compadre Zé Filho já diz que Deus protege os bêbados e as criancinhas, uma grande verdade. Intactos, sem conhecer as vias da cidade, quando demos conta estávamos na Boa Viagem. Por causa de uma pizzaria, Guta reconheceu que estávamos perto da casa de Jô. Este nos recebeu na porta, segurando na mão pendurado, algo que meu estado de embriaguez não me deixou reconhecer. Era uma banda inteira de um bode.

*Comer Água - Expressão típica da Bahia que significa tomar todas, encher a cara.

SAUDADE

Se palavras tivesse
Pra expressar a saudade
Que sinto no peito
Que trago em mim

Sonhar sem descanso
Esconder a verdade
Saber que no fundo
São Paulo te guarda pra mim

Os momentos mais loucos
A imensa paixão
Fincam em meu coração
Uma flecha sem fim

O seu beijo molhado
Seu amor, seu tesão
Posso rodar o mundo
São Paulo te guarda pra mim

A insônia que sinto
Com seu sono quieto
Só me deixa completo
Quando ouço o seu sim

Meu amor não demora
Vem me dar seu alento
Mesmo que no momento
São Paulo te guarde pra mim

RETIRO TUDO QUE DISSE - Entendendo a Ótica de Caetano

Sampa
(Caetano Veloso)

Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e Av. São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas
Ainda não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e avenida São João

Quando eu te encarei frente a frente e não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos mutantes
E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso

Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mas possível novo quilombo de Zumbi
E os Novos Baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa

Mário Quintana já dizia: - Não há porque interpretar um poema. O poema já é uma interpretação. Já Antonio Brasileiro, em prefácio para o livro não publicado, Cinema Secreto, de Edmundo Carôso, fala que poesia e letra são coisas totalmente distintas. Concordo plenamente com os dois. Unindo estas duas afirmações, eu, que sempre teimei interpretar e buscar o sentido das letras e poesias, fico meio perdido com "Sampa". Letra ou poesia? Pra mim são as duas coisas. Me lembro de quando ainda não conhecia São Paulo, aos doze anos, e aprendi a tocar “Sampa” no violão. Como, para meus parcos talentos musicais, era uma música difícil de executar, tive que treinar a exaustão até conseguir tocá-la de forma convincente. Com isso acabei por decorar a letra que, já naquela época, me fascinava. É óbvio que tentei interpretá-la e acho que consegui. Não vou me deter nos detalhes e conclusões que um menino de doze anos tirou de tal interpretação, até porque poesia é assim, cada um entende do seu jeito, mas acho que nela contém uma clara mensagem.

Quando conheci Lílian já havia estado em São Paulo duas vezes. Cheguei na cidade de corpo fechado pelo preconceito. Não gostei nada do que vi. Aquele trânsito infernal, as pessoas agitadas correndo de um lado pro outro sem cumprimentar ninguém, o ar carregado pela poluição e os arranha-céus gigantes faziam com que me sentisse um nada no meio da multidão. Definitivamente São Paulo não era a minha praia.

Aí entrou Lílian na minha vida. Com ela comecei a aprender gostar de São Paulo e do povo paulista, a derrubar as barreiras do preconceito e entender o verdadeiro significado daquela cidade, o seu imenso valor. Nossa amizade, que foi se multiplicando pois conheci vários paulistas através dela, me fez olhar aquele povo com outros olhos. Daí em diante passei a ir a São Paulo com mais freqüência e, já de peito aberto, a entender melhor as suas nuances. Uma grande metrópole que, como todas, não pode ser menosprezada.

Um dia, Zé Fábio, um tio meu muito espirituoso, entrou num táxi em Sampa e o motorista perguntou: - Onde o Sr. quer que o leve? Prontamente respondeu: - Onde acontece alguma coisa no coração de Caetano. Por falar no cruzamento da Ipiranga com a São João, vivi lá uma história inusitada. Num dos prédios, em uma das esquinas, fui resolver um problema que tinha com um famigerado cartão de crédito. Pelo menos não era dívida. Peguei uma senha e aguardei ser atendido. Justamente na minha vez o alarme de incêndio disparou. Foi um alvoroço danado. Desci os seis andares pelas escadas feito um louco, em meio a um pânico enorme, pra chegar lá embaixo com o coração disparado botando os bofes pela boca, e descobrir que foi um defeito no sistema. Nunca mais subi lá. Voltei pra casa e deixei o problema pra ser resolvido em Salvador.

Passei a freqüentar o dia-a-dia dos paulistanos. Andar pelas ruas, visitar mercados e feiras, pegar ônibus e metrô, conversar com as pessoas nas ruas e coisas desse tipo, que fazem você realmente conhecer uma cidade e entender seu coração e sua cultura. Numa dessas vi uma coisa que me chamou a atenção, achei até que estava tendo uma alucinação. Não lembro bem o lugar, mas acho que foi na Santa Ifigênia. Um camelô vendendo dentaduras. O cliente chegava, experimentava várias até encontrar a que melhor se adequava na boca. Vocês acreditam nisto? Pois isto é São Paulo. Com o tempo fui mudando de opinião e hoje penso, nunca vi um feio tão bonito quanto Sampa. Todo ser humano deveria ter a oportunidade de mirar aquela cidade à noite dentro de um avião. Esta visão me marcou como uma das imagens mais bonitas que vi na vida.
Por isso retiro tudo que disse e melhor, desdigo se for preciso. Hoje amo São Paulo, amo o seu povo e a sua loucura. Nada me resta senão falar: me desculpa Sampa!

quinta-feira, 19 de abril de 2007

O BLOG DE EDMUNDO - Papos com Adriano I I I


Elucubrações Sobre o Vaso e Outras Sandices
Isto é por minha conta.
"Aonde de Biquine, Num Golpe Baixo e Traiçoeiro de Seu Coração de Pedra, Chuta Sem Remorso os Quimbas de Zé Boré"
SSA, 18/04/07


Tedinho,

Algumas considerações.

Em primeiro lugar, quando me fez o convite para participar deste marcador, afirmou que dividiriámos a lavagem de roupa no privado, disse-me: - Surja! Eis que surge agora você querendo espremer a roupa no blog. Se algum louco tiver dando atenção às nossas palavras, com certeza não vai querer saber que chuto seu fígado enquanto você assiste ao seu Vicetória (desculpe, agora lembrei que o nome é vitória, é que só não me lembro do título). Muito menos que você nunca fecha a torneirinha da ducha do vaso, deixando-a pingando até que Mame Blue declare estado de calamidade pública na casa devido a enchente no banheiro. Isto deixemos pra nós que já vivemos por nos engalfinhar. Poupemos os nossos heróicos leitores, se é que eles existem, de tais banalidades. Inclusive porque, reivindicar lugar no sofá para assistir a um filme deitado é inútil para quem, sempre que lá está com tal finalidade, dorme no meio e deixa pra mim a responsabilidade de desligar a tv, o dvd e o som, poupando nossos ouvidos dos mais que corretos carões de Lourdinha.

Acho boa a idéia do próprio leitor descobrir o lugar onde a expressão "em tempo" deve ser inserida. É isso que dá não ouvir o poeta. Agora me vejo envolto à explicações.

Lendo a sua resposta, pus-me a refletir que sob sua influência, muita coisa na vida peguei de você. Já dizia Carosinho nosso pai: Filho só puxa a pai quando é ladrão de cavalo. Pois é, fui logo imitar do irmão este péssimo hábito de digitar com um só dedo. Como não escrevo na mesma intensidade que você, ainda não me acometi da L.E.R mas adoro ler as suas publicações. O sabão do Seará está massa. Ver o seu blog no ar, me deixou com vontade de fazer o meu, pelo menos algo de bom.

Falando no Costa Azul, este bairro que aprendi a amar, nestes doze anos que moro por lá, vale uma reflexão. Nunca o vi deste jeito, com um lado chato. Talvez me passe desapercebido algum detalhe, mas não concordo com você, gosto dele por inteiro. Infiltrado no meio de uma grande metrópole, traz no seu coração, aspectos nostálgicos das cidades do interior por onde morei.

E, por último, Aline é a mãe. Não me force a chamá-lo de Zé.

Um beijo

Adriano

SSA, 19/04/07


Velho Diu:


Reconheço que prometi lavar a roupa suja no privado, exatamente por saber que na privada – como estamos fazendo agora - seria bastante desapropriado em virtude de termos muita roupa e, proporcionalmente, quase nenhuma sentina (dessa vez fui longe, deve ter uns 40 anos que não ouço esse termo). Porém querido irmão, desespero faz o freguês. E não vi outra alternativa para resolver o problema do sofá a não ser expondo as entranhas do assunto em praça pública. Quem sabe você não se sensibiliza e consigo algumas migalhas do dito.

Só não entendo porque o fato de uma fraqueza minha ter que, necessariamente, corresponder à uma sua, em maior proporção, já que isto não é um concurso de vingança. Por isso mesmo, estranhei seu golpe baixo e desnecessário ao fazer alusão à ducha do vaso (eita que o trono anda onipresente nesta postagem!), principalmente por não fazer o adendo de que você também a deixa aberta. Não tanto quanto eu, confesso, mas o mínimo necessário pra não lhe dar moral nenhuma pra falar de meu dilúvio, ainda mais, cuspindo no prato em que aqui come, já que me ofende e destila suas maldades onde sou o anfitrião que, de peito aberto, lhe recebe.

Por outro lado, e ainda no mesmo lado da questão moral, se os fundamentos da Estatística merecem crédito, aonde eu mando enfiar a curva ascendente, quase íngreme, produzida por seu sono nas vezes em que – desde que moramos juntos e, sem exagero nenhum, ao longo de 90% das noites desse período – você deixa tv, dvd, luz e ATÉ CIGARRO(!) ligados, sem contar a pobre da Lourdinha afônica de tanto reclamar junto aos seus ouvidos de mercador?. Só não me mande enfiar no buraco do sofá que você incendiou com seu cigarro no último porre porque, mesmo para um gráfico estatístico, existem orifícios mais apropriados.

Agora tenho certeza absoluta de que tem louco lendo a gente. Ou melhor, pelo menos, duas adoráveis loucas que deram o ar da graça nos comentários de nossa última postagem. Pelo menos uma delas descobriu aonde deveria enfiar o “em tempo” por mim sugerido a você numa conversa fora do blog; espero que ela tenha o mesmo talento para indicar destino aos gráficos. Como vê, não somos os únicos desmiolados por aqui.

Mas juro que, exceto na condição em que venha me sentir ameaçado em meus parcos direitos de recém morador da sua taba, não voltarei mais à roupa nesse marcador.

Eu fico feliz de que meu blog tenha lhe incentivado a fazer o seu porque tenho me deliciado de verdade com o seu talento pra contar, seu quase-maduro domínio sobre o texto, coisas que eu não conhecia. Com certeza vale a pena ir lá e conferir.

Quanto ao Costa Azul, sou meio dividido mas não ligue não. É como dirigir. Passo semanas barbeiro e semanas craque no volante. Existem períodos em que morro de amores pelo bairro, por sua cara de cidade de interior, suas feirinhas – que adoro – seus bares aconchegantes, mas passo tempos fugindo de lá. Só que sei que o problema não está no bairro mas em mim que sou um ser indecifrável que vomita ao ver alguém comendo sólidos de colher e que nunca conseguiu gostar do Rio Grande do Sul sem ao menos ter ido lá uma veizinha só.

Beijos

Edmundo Carôso

P.S.: Só não lhe digo quem é Zé porque, infelizmente, sua mãe não é o Bahia.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

O BLOG DE EDMUNDO - Papos com Adriano I I

"No Qual Fica Registrada A Tática Aparentemente Inofensiva de Aline Tentando Assoprar Antes de Morder"
SSA, 14/04/07

Querido poeta irmão,

Hoje relendo seu blog, me deliciei com a história da Malagueta de tio Afonso. Suave na entrada assim como saída, diferente da pimenta de tia Êda, me fez relembrar as vezes que brincamos com ela e plagiamos Paulinho com tal expressão. Porra seu Afonso, sua pimenta tá retada!!!! Uma delícia!

Em tempo: Depois de muito ruminar acabo concordando com você. Não é que o em tempo faltou mesmo. Cabe a você explicar.

Um beijo

Adriano

SSA, 18/04/07


Querido Aline:


Essa questão do “em tempo”, que deveria ter sido explicada por você, demorou um tempo (desculpe a redundância) para cair a ficha, mas agora sei que se trata de uma sugestão que lhe fiz para acrescentar à sua primeira postagem aqui a dita expressão, antes de uma determinada frase, para que esta ganhasse em substância e sentido.

Deixo como sugestão que os nossos leitores (se é que alguém é tão louco ao ponto de nos ler) tentem adivinhar em que lugar de seu primeiro texto se deu a inconsciente omissão. Desculpe se não o faço mas é que – com tanta postagem – meu corpo anda tão sujo de palavras que já está criando peixe. E, de tanto digitar com um dedo só, além da L.E.R, meu cotovelo ficou roxo para sempre e vive largando a pele e o esquisito.

Ainda, se você não sabe: eu gosto de um pedaço do Costa Azul.. O outro não tem graça, mas só sou eu quem acha.

Olhos
ardem
alhos.

Atenciosamente e tão somente.

EC
P.S.: Vi que também está postando o nosso marcador no seu blog e demonstrou preocupação quanto ao fato de que se eu iria ficar zangado ou não com isso. No que me diz respeito, desde que me deixe - pelo menos uma vez por semana - assistir a um filme deitado no sofá que você monopoliza e que quando o Vitória jogar aos domingos fora de casa eu possa ver minha partida na Tv sem receber de sua excelentíssima pessoa, no mesmo sofá, pernadas no fígado enquanto você dorme e me espreme no dito cujo depois da feijoada, ao mesmo tempo em que sua cama jaz intacta no quarto abandonado, pode publicar até meu blog todo que não me importo.

VANDER LEE – O Poeta do Cotidiano



Vander Lee
Foto extraída do site oficial do cantor




Li num dos policiais de Agatha Christie que quando você ouve um nome num dia pela primeira vez, nada demais, mas se houve a segunda, atente para o fato pois alguma coisa tem aí. Concordo plenamente, imagine quando acontece três vezes. Foi assim com Vander Lee. Um mineiro, nascido no Bairro de Olhos D´água em BH, que tive o prazer de descobrir em 2004.

Tudo começou no Amazonas, ou melhor, com uma amazonense, Eliana Printes. Eu vinha apaixonado por uma música que tava tocando com freqüência na Nova Brasil FM de Salvador. Chama-se “Os Presentes” de Kleber Albuquerque. Acontece que sempre ouvia no carro, o único lugar onde ouço FM, e nunca coincidiu de falar o nome da cantora que, até então para mim, era totalmente desconhecida. Vai que um dia, voltando do trabalho ela estava sendo entrevistada num especial da rádio. Ao saber o seu nome, desviei o caminho e fui a um shopping da cidade procurar seu cd, entitulado “Pra Você Me Ouvir”. Uma delícia, o disco todo é muito bom e, dentre as músicas que me chamaram mais atenção, estava uma tal de “Aquela Estrela” de um tal Vander Lee Catarina. Vez número um.

Acredite quem quiser, saindo do shopping, liguei novamente o rádio e ouvi pela primeira vez na vida uma música que me encantou de cheio: “Românticos”. Me perguntei quem foi o monstro que tinha feito uma pérola daquelas? Na rádio só falou o nome da cantora, Rita Ribeiro (fico puto com as rádios que não dão crédito aos autores das canções, devia ser lei no Brasil). Chegando em casa fui direto à internet e pesquisando descobri o autor da tal canção: Vander Lee. Vez número dois.

Tomei um banho, troquei de roupa e saí para o que os paulistas chamam de balada. Voltei a ligar o rádio e aí foi a gota d´água. Rolou uma das músicas que também nunca tinha ouvido e é até hoje das que mais me tocam, desta vez na voz do próprio Vander Lee, “Esperando Aviões”. Inacreditável. Vez número três.



Não tive outra alternativa no dia seguinte senão comprar o cd do cara, o Ao Vivo. Foi paixão à primeira audição. Me encantou a forma simples com que ele trata em suas poesias o cotidiano banal. “...O rapazinho lá do 21, vive de zumzumzum com a tal de Dinorah, aquela moça lá do 102 que come ovo com arroz e arrota caviar...” Chazinho Com Biscoito, “...não tem mais feijoada nem vaca atolada, rabada ou troporeiro, já fez greve de cama, diz que não me ama quebrou meu pandeiro, na hora do cruzamento ela deu impedimento ou falta no goleiro, pra aumentar meu tormento meu irmão, eu sou galo e ela é cruzeiro...” Galo e Cruzeiro. Me tocou o seu doce romantismo, romântico irremediável que sou, as melodias claras, daquelas que pegam os ouvidos no primeiro momento e ficam pra sempre impregnadas nas entranhas. “...Eu queria poder te dizer sem palavras, eu queria poder te cantar sem canções,eu queria viver morrendo em sua teia, seu sangue correndo em minha veia, seu cheiro morando em meus pulmões...”Esperando Aviões”.

Hoje, três anos mais tarde, depois de conhecer quase todo o seu trabalho, posso falar que Vander é daqueles que chegam pra ficar, que vai continuar encantando o público com suas canções, beijando nossos ouvidos com seus versos simples e profundos. Só posso então usar aqui, suas próprias palavras, da música “Sonhos e Pernas”, ...certas canções duram pouco, outras são eternas...". É o caso das canções de Vander Lee.

Românticos
(Vander Lee)

Românticos são poucos
Românticos são loucos desvairados
Que querem ser o outro
E pensam que o outro é o paraíso

Românticos são limpos
Românticos são lindos e pirados
Que choram com baladas
Que amam sem vergonha e sem juízo

São tipos populares
Que vivem pelos bares
E mesmo certos vão pedir perdão
Que passam a noite em claro
Conhecem o gosto raro
De amar sem medo de outra desilusão

Romântico é uma espécie em extinção

terça-feira, 17 de abril de 2007

RESERVADO PARA IDOSOS, GESTANTES E DEFICIENTES

Ele entrou no ônibus exausto após um dia estafante de muito trabalho. Como seu ponto de partida era perto do início da linha, ainda encontrou vazia uma daquelas cadeiras reservadas para idosos e deficientes. Aquela hora do dia, nos intermináveis quilômetros e paradas que separam o Itaigara de Periperi, lá na periferia da cidade, com certeza a lotação iria entupir. Só restava rezar para o impossível acontecer: não entrar no veículo, nenhum idoso, grávida ou aleijadinho que lhe forçasse, já que era um homem de princípios e de boa educação, a ceder o assento. Ainda em Brotas, portanto muito longe de alcançar o fim da linha, seu lugar de descer, o buzu já tava entupido inclusive com gente pendurada pela porta da entrada. Eis que ao seu lado, carregada de livros e sacolas, uma linda mulher, de seus 25 anos, encosta na sua cadeira. Foi instantânea a sua atração por adorável criatura mas, o seu estado de total fadiga não permitiu que cedesse ao incontrolável desejo de levantar para que a moça sentasse. Limitou-se a pegar seus livros e sacolas e guardá-los no colo para descansar braços tão macios e lindos.

No sacolejo da viagem, nos freios de arrumação, vez ou outra a moça roçava em seu ombro a maciez de seu sexo. A ereção foi natural e ele rezou pra que ela não descesse tão cedo. Primeiro para continuar sentindo aquele contato maravilhoso, segundo pra não ser obrigado a tirar do colo os objetos que escondiam desconcertante situação.

A viagem transcorria normalmente, se é que se pode chamar de normal o estado de quase orgasmo em que encontrava-se quando, já na Calçada, Cidade Baixa, sobe uma velhinha, com certeza com mais de setenta, pela porta da frente. Ele não conseguia entender como a velha subiu, aquele lugar parecia não caber uma mosca sequer. Em fração de segundos, intermináveis dúvidas povoaram o seu cérebro. Ceder o lugar a velha ou usufruir do êxtase que sentia com a moça a roçar-lhe o corpo e já era capaz de sentir o cheiro que emanava das entranhas daquela mulher. Difícil escolha.

Desconcertado, com as faces rubras, levantou-se para que a idosa sentasse. Quando foi entregar a moça seus livros e pacotes, esta, num movimento tão rápido que seus olhos perderam ao piscar, sentou-se no seu lugar. A pobre velha ficou em pé, espremida pelos inúmeros passageiros que amontoavam-se no corredor. Pensou em reclamar com a mulher mas a visão do seu rosto e as lembranças do prazer que esta lhe proporcionara minutos atrás, não lhe permitiram. Envergonhado, desceu na próxima parada e pegou outro ônibus para casa, ainda mais lotado que aquele.

O BLOG DE EDMUNDO - Papos com Adriano I


"O BARQUEIRO E O POETA"


Quando um poeta bate à sua porta, não se pode virar as costas. Foi assim que, Edmundo Carôso, o poeta, numa fatalidade do destino também meu irmão de sangue e companheiro de moradia, me convidou para participar de um marcador no seu blog, denominado "O Barqueiro e o Poeta". Não poderia eu perder tal chance de compartilhar as experiências que poderiam advir desta idéia. Inspirado nas célebres correspôndências de "O Carteiro e o Poeta", uma ficção das telonas sobre Neruda, ele já havia convidado Manno Góes, aquele mesmo do Jammil e Uma Noites, para uma sessão semelhante. Não sei porquê cargas d´água lembrou de mim. Sei menos ainda o porquê do Barqueiro, já que não ando de barco nem ando em barcas. Não sou louco de contestar o título do poeta, cabe-me apenas participar e, na medida do possível, dar a minha humilde colaboração.

Mais uma vez, não perdendo a oportunidade, vou trancrever em meu blog as correspôndências desta publicação. No entanto, é necessário ressaltar que está é uma idéia dele e tais conversas só serão publicadas aqui, uma vez publicadas lá. Espero que ele não se zangue.

Obrigado Poeta!


Quinta-feira, 12 de Abril de 2007 PAPOS COM ADRIANO

"De Como O Bode Zé, Mesmo Poupando Um segmento Específico, Entrega - Sem Piedade - Toda a Família"


SSA, 11/04/07



Velho Diu:

O Tédio, também conhecido como Bode Zé, irmão de Bode Sí; brother-idem de Aline, a Muriçoca de Biquine e de Luci, a Danadinha do Sertão, vem de propor e desdizer que a gente comece uma correspondência pública - já que no privado nós já dividimos a lavagem de roupa. Surja!

Não haverá regras, limites, planos ou dispersão. Só haverá nossas veias, nossos canos, por onde vai passar o fio do telefone entre mim e você.

Por favor, diga ou não se aceita e diga rápido porque por aqui as coisas andam funcionando até sem energia elétrica!

EC


SSA, 11/04/07

Querido Tédio:

Será um prazer interagir com o poeta. Fã do seu blog que sou, assim como do autor, não perderei a oportunidade de trocar experiências, se bem acredite sair no mais desproporcional dos lucros, haja a vista não ter para dar metade das lições que tenho a receber.

Quanto as regras, já ando cheio delas, exceto, é claro, das mentruais. Tem para todos os gostos. As datas de pagamentos, as gramaticais que sempre me traem, os horários a serem cumpridos e tome-lhe regra a citar. Portanto me agrada a idéia de deixar a conversa rolar.

Muriçoca de Biquini é a mãe(no que pese só a parte que lhe cabe)!

Adriano
P.S. Não fique zangado comigo, não é tão fácil assim se desligar das tais regras. Não resisti usar uma, mas prometo ser a única. Mando um recado pra Manno: tem criança na sala.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

BAIANO NA DIREÇÃO - Diploma de Provinciano

“…baiano burro, nasce e cresce
e nunca pára no sinal.
E
quem pára e espera o verde,
é que é chamado de boçal…
Trecho da música “Vamo Comer” de Caetano Veloso

Quer comprar briga comigo? Fala mal do baiano ou da Bahia. No entanto temos que reconhecer nossos defeitos, nossas limitações.

Cada vez mais o trânsito das grandes cidades vem tornando-se um problema social extremamente preocupante. A velocidade do crescimento das metrópoles e de suas vias de escoamento, não acompanha o rápido aumento da quantidade de veículos nas ruas. A facilidade de comprar um carro novo, principalmente devido aos longos prazos oferecidos pelas financeiras e uma pequena melhora no poder de compra do cidadão, faz com que tal problema mereça uma atenção especial das autoridades e rigorosas providências no intuito de amenizá-lo. Já existe até rodízio em São Paulo, a cidade brasileira mais atingida pelos efeitos maléficos dos congestionamentos e, pelo que se vê, não vem adiantando muito.

Quando cheguei em Salvador, em 1983, este problema tinha proporções infinatamente menores. Era uma cidade calma e raramente havia engarrafamento pelas ruas. Hoje, em 2007, enquanto escrevo este texto, da janela da minha sala na empresa em que trabalho, perde-se de vista a fila de automóveis parados na Av. Juracy Magalhães, uma importante via da cidade. Isto se tornou rotina em vários pontos de Salvador. Por isso mesmo estou aqui escrevendo. São 19:35hs e estou liberado desde às 18:10hs. O engarrafamento não me encoraja de descer e ir pra casa, enfrentar este estressante percusso de 6,8km que, numa hora dessas, chega a durar uma hora de viagem é um verdadeiro inferno astral para quem se aventura nele. Se Salvador pretendia desempunhar o diploma de província e abarcar o título de grande metrópole, pelo menos no quesito trânsito, está conseguindo. É pena que este iten não nos traga benefícios, só dores de cabeça.

Tem um fator que, pra nós, multiplica os efeitos deste mal: a forma como dirige o baiano. Falo por experiência própria, já dirigi nas maiores cidades do país e nunca vi lugar onde se dirija tão mal como em Salvador. Uma direção ofensiva, egoísta, sem respeito aos limites de velocidade e normas de trânsito. Onde prevalece a lei do Gerson, onde a educação e os bons costumes são histórias da carochinha. Ninguém dá passagem pra ninguém, todo mundo precisa chegar primeiro que o outro. É claro que existem as excessões, mas, de uma forma geral, o baiano dirige assim. Eu mesmo me considero uma delas. Talvez, acho que com certeza, deva ser chamado de barbeiro por um monte de azes da direção, aqueles que se acham os maiores pilotos da terra, esquecendo que nossas ruas não são autódromos e, que, suas vidas, bem como as dos seus semelhantes, estão por um fio a cada saída de casa, expostas pela total irresponsabilidade de suas conduções.

Não vejo outra solução para o problema senão na educação. É preciso ensinar desde a infância nas escolas, que o ser humano, por uma questão de convivência, de harmonia, de dignidade, de princípios éticos e morais, deve respeito ao outro, em qualquer circunstância da vida, o trânsito é uma delas. Seu direito termina o onde começa o dos outros, já diz o velho chavão. Contudo os mais velhos precisam começar a tomar consciência que um dos elementos mais importantes da educação é o exemplo. Uma criança que sai da escola com as devidas noções de direção defensiva e harmoniosa, vendo seus pais furarem sinais, costurarem os outros carros, dirigindo em alta velocidade, fechando cruzamento, e cometerem tantas outras irregularidades, tem grandes chances de não fixar a lição.

Vamos tirar da Bahia este rótulo negativo que tanto nos envergonha. Já bastam aqueles que recebemos sem proveito, de pessoas preconceituosas que muitas vezes nem sabem do que estão falando. Não vamos dar aos leões o seu próprio alimento.

domingo, 15 de abril de 2007

RETIRO TUDO QUE DISSE - São Paulo de Lílian a Adriano - I

A cidade de São Paulo


Retiro Tudo Que Disse
(Rudney Monteiro/Jorge Magalhães/Edmundo Carôso)

Nada em russo quer dizer tudo é possível
Eu não quero morrer sem conhecer São Paulo
Retiro tudo falso do que disse
Só vão sobrar as tolices

Retiro a culpa da culpa
De me achar por inteiro
Retiro o pão do açúcar
Te deixo o Rio de Janeiro

Nesse lampejo de medo
É tudo mesmo uma questão de sorte
Nesse lampejo de medo
Que passe a ponte o rio é sempre forte

Justo eu que falo tanto dos preconceituosos, aqueles que rotulam um povo inteiro pela atitude de alguns, tenho meus momentos de fraqueza. Um dia no entanto, a gente acaba levando na cara e tendo de reconhecer os nossos erros. Nordestino que sou, fico indignado quando alguém fala da gente. Sofremos muito nas mãos, ou melhor, nas bocas de cariocas, sulistas e, principalmente, paulistas. Tanto é que em São Paulo, ser baianinho é ser ridículo. Esta expressão me enojava. Hoje isto já não me toca mais, vejo com outros olhos. Depois que conheci Sampa e os paulistas com quem convivo, tive eu mesmo de engolir meu preconceito contra São Paulo.

Não sei exatamente porque, mas São Paulo para mim era um horror. Não gostava, falava mal, numa atitude idiota. Como alguém pode não gostar ou falar mal daquilo que não conhece? Os versos acima, escrito por Magal e Edmundo sobre uma linda melodia de Rudney, expressam um pouco o que falo. Inicialmente Magal, movido por preconceito igual ao meu, escreveu “Eu quero morrer sem conhecer São Paulo”. Edmundo a tempo, chegou para colocar o “não”. Sábia colocação. O próprio Magal recentemente, quando bebericávamos umas geladas na praia de Piatã em Salvador, me confessou o quão importante foi a intervenção de Edmundo. E que, se fosse hoje, ele mesmo teria colocado o “não” na letra. Uma palavrinha de três letras, que mudou completamente o discurso e seu sentido, evitando assim que fosse perpetuada uma visão preconceituosa e burra, típica de quem fala do que não conhece.

Lílian, tirando onda de modelo!
Aí entra Lílian na história. Uma paulista que conheci em circunstâncias totalmente casuais e que, sem ter a menor noção disso, demoveu-me deste preconceito imbecil e me colocou no meu devido lugar. Gosto muito desta paulistinha, uma amiga sincera e leal que há catorze anos me dá o prazer de participar da sua vida.

Carnavalesca de primeira grandeza, houve tempos em que não perdia um carnaval de Salvador. Foi num deles que a conheci. Estava acompanhada de uma amiga, talvez seja prima, Marília, que passou mal durante o desfile da Timbalada, onde na época eu trabalhava, era 1993. Nada demais, apenas um mal estar momentâneo, em função de um sol escaldante e um pequeno exagero nas fortes comidas baianas. Eu e um colega de trabalho, Tico, demos socorro às duas. Levamos Marília para o posto médico do carro de apoio com Lílian acompanhando, onde ela foi atendida e tudo ficou bem. Foi o suficiente pra ficarmos amigos. Naquele ano Brown tava idealizando fazer um arrastão na quarta-feira de cinzas, com a Timbalada tocando no trio sem cordas para o povo todo brincar. Não sabíamos se seria possível. Havia uma série de implicações, desde os custos de músicos, seguranças, trio à liberação da prefeitura e outras coisas. Este arrastão por sinal, virou uma tradição no carnaval de Salvador, acontecendo até hoje que além da Timbalada outros artistas pongaram na idéia de Brown, a exemplo de Ivete Sangalo. Só de saber desta possibilidade, Lílian enlouqueceu. Fiquei encarregado de avisá-la, pois ela não queria perder de jeito nenhum. O pior é que o arrastão só foi confirmado na madrugada da terça pra quarta e eu mesmo só fiquei sabendo às cinco horas da manhã quando ligaram pra minha casa acordadando-me para que eu começasse a tomar as devidas providências de produção. Quando tava pra sair, já perto das seis, lembrei de Lílian. Fiquei na dúvida se ligava uma hora daquelas pro hotel pra avisar. Imaginei que ela poderia ter ficado até tarde na rua se despedindo do carnaval e seria uma sacanagem acordá-la. Por outro lado caso eu não ligasse e ela viesse a saber que o arrastão saiu, poderia achar descaso da minha parte. Na dúvida, não ultrapasse. Eu ultrapassei e liguei. Isto eu não me lembro bem, mas acho que elas, mortas pelos pulos da noitada anterior, acabaram por não ir.

Nos anos seguintes, a cada carnaval ela voltava e a cada ano trazia uma amiga nova que eu acabava conhecendo e fazenda amizade também. Uma delas foi minha namorada por alguns anos. Mas, deixemos de lado o carnaval e voltemos para São Paulo no próximo capítulo que é o tema em questão.

sábado, 14 de abril de 2007

ILHA DO PIRATA – O Nome de Júlia – III




O primeiro CD da Timbalada. Capa de Ray Vianna em parceria com David Glat.


Depois daquela lavagem do Bomfim, a Timabalada alavancava seus hits e o primeiro disco ia muito bem. Agora já era a música “Beija Flor” (Zé Raimundo e Xexéu) que estava estourada nas rádios de todo o Brasil e o disco vendia feito água não tardando a receber o disco de ouro. O trabalho de Ray começava a aparecer pro país embora escondido por trás dos que realmente aparecem numa hora dessas; os que estão à frente do palco. Quase ninguém pega um disco pra o olhar o nome do sujeito que criou a capa. Poucos sabem que a grande identidade da Timbalada, a pintura dos corpos, foi criação dele. Naquele mesmo verão, houve um show histórico em Salvador, um show que emplacou um projeto, um espaço, e uma banda de uma só vez. Estamos falando do Pôr do Sol, da área verde do Hotel Othon Palace que até hoje é um espaço usado para grandes shows e da Timbalada, respectivamente. Nesta noite, sem a menor combinação, sem nenhum convite prévio, a não ser os que Brown fez do palco e de surpresa para os ilustres que estavam na platéia, subiram ao palco juntos nada menos que Caetano Veloso, Gilberto Gil, Léo Gandelman, Nando Reis, Jorge Benjor e Álvaro Pietro do Biquíni Cavadão. Foi um êxtase. Cenário de Ray, mais uma vez driblando os poucos recursos da produção. Teve um impasse durante os ensaios, relativo ao figurino. Já não havia mais grana pra nada, mas Brown e Cícero naturalmente, queriam que a banda se apresentasse de maneira digna. Aí, o saudoso Pintado do Bongô, o mestre de Brown, que Deus o tenha no mais iluminado lugar lá do céu, falou: - Pra mim não precisa figurino. Eu vou nu e Ray me pinta. Tava criada a marca registrada da Timbalada. Na hora do show, de improviso, Ray pintou o peito nu de Pintado com aquelas linhas que jamais saíram do corpo dos Timbaleiros. O próprio Brown pegou carona e pintou os braços e o rosto.

Com o passar dos anos nossa amizade foi se fortalecendo assim como a minha amizade com Guta e Bia, esposa e filha dele. Já estávamos em 97 e eu trabalhava na Perto da Selva. A produtora que estourou o Araketu e Ivete Sangalo, ainda na Banda Eva. Tive o prazer de participar de perto e prestar a minha humilde colaboração para tal. Foi justamente num dos ensaios do Araketu, naquela época ainda no estacionamento do antigo Banco Econômico na Av. Carlos Gomes, que conheci uma pessoa que ia mudar a minha vida para sempre, Cynthia. Para aumentar os meus ganhos, estava juntando dinheiro para comprar um carro já que a dureza da época do desemprego levou o que eu tinha, montei uma barraquinha dentro dos ensaios, com um colega de trabalho, Marcelo Marinho, onde vendia espetinhos de “gato”. Um dia, eu tava na barraca tomando uma roska* de Umbu, para refrescar um pouco o calor da churrasqueira que era escaldante, chegou Cristiane, a recepcionista da Perto da Selva, acompanhada de Cynthia, uma paraense que passava férias em Salvador, pedindo pra que eu guardasse as suas bolsas na barraca. Cynthia perguntou o que eu tomava. Quando eu falei, ela se surpreendeu: - O que é rosca? Quer experimentar? Perguntei. A danada pegou o meu copo e tomou todo de vez. Eu nem sonhava que aquela devoradora de roscas viria a ser a mãe de Júlia, minha linda filha, meu maior tesouro.


Guta, a Copilouca.



Um ano depois, quando Cynthia veio morar em Salvador e começamos a namorar, ela também foi aprofundando laços de amizade com aquela família. Várias vezes saímos juntos, fizemos viagens e farras. Compartilhamos muitos momentos bons, alguns nem tanto. Fomos passar juntos o carnaval de 99 em Olinda, na verdade nos hospedamos em Recife na casa do nosso amigo Josildo Sá, o Jô. Ray que estava preso por compromissos de trabalho em função do carnaval, só poderia ir no sábado e ficou para ir de avião. Eu, Cynthia e Guta fomos na sexta no meu carro que, aquela altura do campeonato, já havia comprado. Esta viagem, por sinal, merece um texto só pra ela, e um dia contarei por aqui. Valeu a Guta um apelido, que ela mesma se colocou, Copilouca.

Foi um carnaval inesquecível, divertido a valer. Conhecemos figuras impagáveis, como o primo de Jô, Mersinho. Brincamos pelas ruas de Olinda em meio àquele fervilhão cultural, aos bonecos, às ladeiras e becos da cidade. Tomamos banho de mar na Boa Viagem, assistimos a um show de Geraldo Azevedo no Recife Antigo, interrompido, pelo menos pra mim, por um mal-estar de Cynthia (entenda-se excesso de cerveja), que tive de levá-la pra casa de taxi, já que deixei meu carro com Ray e Jô e as respectivas Guta e Aninha, esposa de Jô na época. Enfim, uma viagem maravilhosa. Não sei se nesse carnaval, ou se poucos dias depois que voltamos, na quarta de cinzas, mas foi por esse período com certeza, que a Preta, como chamo Júlia, foi encomendada.

Quando Cynthia contou-me que tava grávida eu enlouqueci de felicidade. É verdade que estávamos num momento difícil da relação, prestes a desabar, mas a notícia veio como uma bomba explodir meu coração de alegria. Aí juntamos nossos trapos e resolvemos tentar a vida juntos pra criar nosso rebento. Não deu certo, mas ficou uma amizade verdadeira, leal e uma filha maravilhosa que é hoje a razão da nossa existência. Eu sempre sonhei em ser pai e sempre quis ter uma filha. Imediatamente eu falei: - Vai ser menina! Cynthia achava que era um menino e fizemos uma aposta. Se fosse menina eu daria o nome sem a interferência dela e vice-versa. Só que ela não cumpriu a aposta. Nenhum nome que eu sugeria era do seu agrado e isto já tava virando uma briga até que um dia oferecemos um jantar, preparado por mim é claro, pra Ray, Guta e Bia. Naquela noite a controvérsia do nome voltou à tona. Eu, Ray, Cynthia e Guta dando várias sugestões sem chegarmos a um consenso até que Bia, na época com 10 anos, falou: -Vai se chamar Júlia. Tava aí o nome da Burra Preta.



Bia, nesta foto aos 15 anos. A responsável pelo

nome de Júlia.

*Rosca: Na Bahia, o nome do drink que todo todo mundo chama de caipirinha, é diferenciado pelo tipo de bebida com que é feito. Caipirinha se feito com cachaça, Caipiríssima se feito com rum e caipirosca se feito com vodca. Normalmente a fruta usada é o limão. O nome rosca, é uma abreviação e o sabor, ou a fruta, é ao gosto do freguês.