domingo, 8 de abril de 2007

BUDAPESTE – De Chico Buarque à Sandra

Chico Buarque deve ter a maior legião de fãs do Brasil. Podem ter certeza que eu sou um dos que encabeçam esta lista. O interessante é que descobri Chico ainda muito novo, quando não tava nem preparado para receber a gama de informações que seu trabalho continha e, até hoje, contém. Lá pelos meus 12 anos talvez. Tudo isso porque, meu irmão mais velho, Edmundo, na época um verdadeiro nômade, só usava a nossa casa parta filar umas bóias, de vez em quando, e para guardar os seus discos (ainda em tempos de LP). Ele fazia a gente, eu e Luciano, os mais novos da família, jurar jamais mexer em tais bolachões. Nunca vi discos tão bem cuidados. Chegavam a brilhar. Era uma festa quando Edmundo chegava. O irmão aventureiro, músico, artista, nosso ídolo. Era uma festa também quando ele ia embora. Ficávamos à vontade para quebrar a promessa, tantas vezes ratificada, mesmo que falsamente. Foi aí que descobrimos, prematuramente, uma série de artistas que até hoje povoam a nossa vida. Os mineiros do Clube da Esquina, Raul Seixas, Caetano, Gil, muitos outros e, pelo menos pra mim, o mais importante deles, Chico Buarque. Talvez não entendesse muito do que ouvia, mais sentia no fundo da alma. O primeiro disco de Chico que me extasiou, foi Meus Caros Amigos. A Noiva da Cidade era o clímax, O Que Será?, com Milton, tinha o poder de me transcender. Não vou ficar aqui citando músicas e discos. É totalmente desnecessário. Chico Buarque por si só, é o próprio Chico Buarque. Nada mais a declarar.

Movido por esse encanto, passei a achar que tudo que Chico fizesse, seria perfeito pra mim. Ledo engano. Hoje, um tanto menos imaturo, aprendi a separar a obra do autor, o joio do trigo. Descobri que os artistas, por mais que nos pareçam perfeitos, podem um dia nos decepcionar.

Foi duro pra mim naquela época, descobrir isto lendo Fazenda Modelo. Acho que este foi o primeiro romance de Chico. Com passagens interessantes sem dúvida, "... o que quiser que tenha, tinha. Tinha arrebol? Tinha. Rouxinol, tinha. Luar do sertão, palmeira imperial, girassol tinha. Também tinha temporal, barranco, às vezes lamaçal, o diabo. Depois bananeira, até cachoeira, mutuca, boto, urubu, horizonte, pedra, pau, trigo, joio, cactus, raios, estrela cadente, incandescências. Enfim." mas não disse nada pra mim(vocês acreditam nisso? Nem eu.). Pra falar a verdade foi um saco ler aquele livro. E, como era de Chico Buarque, li pela segunda vez, pra não restar dúvida de que não tava gostando. Gostei menos ainda. Realmente, o problema tava no texto de Chico, não em mim.

Anos e anos depois, ele lançou Estorvo. Continuava, como sou até hoje, seu fã incondicional. Desta vez larguei o livro antes da vigésima página. Nem tentei de novo. Passei a achar, e a falar, o que é pior, que o texto de Chico não conseguia me prender. Já falei em outro momento neste blog, e volto a falar agora, um dia o homem tem que rever seus conceitos. Quando isto não se dá de forma espontânea, algo acontece para forçá-lo a tal.

Dias atrás, Luciano meu irmão, outro fã de Chico, me trouxe emprestado Budapeste, o último livro dele. Falou tão bem do romance, que disse ter voltado para a primeira página, imediatamente após ler a última. Que degustou a história, com um prazer voraz, cujo tempo não sentiu passar. Eu, com o preconceito enraizado na alma, não consegui fluir no texto. Continuava achando o cara um grande compositor, escritor nem tanto assim. Retiro tudo que disse.

Já tava pela página trinta, mais ou menos, quando conversando com Sandra pelo MSN, uma querida amiga paulista, falei sobre o livro, ainda movido por aquelas impressões. Ela, que conhece a cidade de perto, no meio do papo até me mandou a foto que ilustra este texto. Começou a me perguntar sobre o que ele falava da cidade. Principalmente do Danúbio Azul, cenário de tal foto. Acontece que, naquele ponto da história em que eu estava, Copacabana era muito mais presente no livro do que a própria Budapeste. Foi ela quem, em primeira mão, contou-me que a cidade é dividida em dois lados: o Buda e o Peste. Não sabia naquele instante, que Chico, genial como é, escreveu a estória sem nunca ter ido à Hungria. Por isso Sandra foi tão importante na minha descoberta. Achei a foto tão linda, que esqueci tudo que tinha lido e voltei pra primeira página. É impressionante o que se deu daí pra frente. Encontrei um texto saboroso, um deleite, uma história daquelas que prende o leitor desde a primeira palavra. Até hoje, não consigo acreditar que Chico não conhecia a cidade. Que escreveu tudo aquilo, com base em cartões postais e pesquisas. Que, só depois que o livro foi traduzido e lançado por lá, ele foi convidado a ir à Hungria. Hoje, relendo as linhas da história, dá pra perceber tal fato. É claro que o problema não tava em Chico, e sim, em mim. Mas, disso, só eu não sabia.

A verdade é que, agora vou voltar a seus livros mais antigos. Não dá pra persistir neste erro. Errar é humano, insistir no erro é burrice.

Agora, percebendo meu grande erro, vou transcrever o trecho que está na capa do livro. Só ele é suficiente para querer lê-lo por inteiro.

"...Fui dar em Budapeste graças a um pouso imprevisto, quando voava de Istambul a Frankfurt, com conexão para o Rio. A companhia ofereceu pernoite num hotel do aeroporto, e só de manhã nos informariam que o problema técnico, responsável por aquela escala, fora na verdade uma denúncia anônima de bomba a bordo. No entanto, espiando por alto o telejornal da meia-noite, eu já me intrigara ao reconhecer o avião da companhia alemã parado na pista do aeroporto local. Aumentei o volume, mas a locução era em húngaro, única língua do mundo que, segundo as más línguas, o diabo respeita. Apaguei a tevê, no Rio eram sete da noite, boa hora para telefonar para casa; atendeu a secretária eletrônica, não deixei recado, nem faria sentido dizer: oi querida, sou eu, estou em Budapeste, deu um bode no avião, um beijo."

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