Balada de Madame Frigidaire
(Belchior)
Ando pós-modernamente apaixonado pela nova geladeira.
Primeira escrava branca que eu comprei, veio e fez a revolução.
Esse eterno feminino do conforto industrial injetou-se em minha veia... Dei Bandeira!
E ao pôr fé nessa deusa gorda da tecnologia, gelei de pura emoção.
Ora! Desde muito adolescente me arrepio ante empregada debutante.
Ora! Desde muito adolescente me arrepio ante empregada debutante.
Uma elétrica doméstica então...Que sex appeal! Dá-me um frio na barriga.
Essa deusa da fertilidade, ready-made a la Duchamp, já passou de minha amante.
Virou superstar, a mulher ideal, mais que mãe, mais que a outra... Puta amiga.
Mister Andy, o papa pop, e outro amigo meu, xarope,
Se cansaram de dizer:-Pra que Deus, dinheiro e sexo,
Ideal, pátria e família,
pra quem já tem Frigidaire?
É Freud, rapaziada
vir a cair na cantada
de um objeto mulher.
- Eu me consumo , Madame....E a classe média que mame se, o céu, a prazo, se der.
- Eu me consumo , Madame....E a classe média que mame se, o céu, a prazo, se der.
Que brancorno abre e fecha sensual dessa Nossa Senhora Ascéptica.
Com ela eu saio e traio a televisão, rainha minha e de vocês.
Dona Frigidaire me como. But no Kids, doublé income! Filho compromete a estética.
Como Édipo Rei Momo como, e tomo tudo dela... Deleites da frigidez.
Inventores de Madame Frigidaire, peço bis, muito obrigado.
Afinal, na geladeira, bem ou mal, pôs-se o futuro do País.
E um futuro de terceira, posto assim na geladeira, nunca vai ficar passado.
Queira Deus no fim da orgia, já de cabecinha fria não leve um doce gelado.
Mister Andy, o papa pop, e outro amigo meu, xarope,
Se cansaram de dizer:-Pra que Deus, dinheiro e sexo,
Ideal, pátria e família,
pra quem já tem Frigidaire?
É Freud, rapaziada
vir a cair na cantada
de um objeto mulher. - Eu me consumo , Madame....E a classe média que mame se, o céu, a prazo, se der.
Se cansaram de dizer:-Pra que Deus, dinheiro e sexo,
Ideal, pátria e família,
pra quem já tem Frigidaire?
É Freud, rapaziada
vir a cair na cantada
de um objeto mulher. - Eu me consumo , Madame....E a classe média que mame se, o céu, a prazo, se der.
Mas que trocadilho infameLa vraie “Balade dês Dames du Temps Jadis” au contraire.
Estes maravilhosos versos de Belchior fazem-me lembrar da minha primeira geladeira. Segunda na verdade, já que a primeira foi doada e nunca funcionou. Servia de armário.
Depois de perambular por pensionatos e de uma desastrosa experiência de dividir um apartamento com um colega, eu e Luciano decidimos nos aventurar por alugar um apartamento. Só pra variar um pouco, meu pai foi contra. Pegando aqui um gancho deixado em texto anterior, A Necessidade Faz o Ladrão, onde falo dessas aventuras. Não tínhamos nada é claro. Dois estudantes sem renda, exceto umas aulas particulares que eu dava e umas tocadas de Luciano, que, diga-se de passagem, muito pouco rendiam, e tínhamos que montar uma casa inteira. Naquela época eu tava morando de favor na casa de minha tia Morena, minha madrinha na verdade, e Luciano num pensionato.
Começamos o corre-corre da procura. Anúncios de jornais, intermináveis visitas a imóveis quase sempre acabados, já que procurávamos algo bem em conta. Quando não era isso, ficava no fim do mundo. Aí uma amiga, Daniela, nos disse que tinha um apartamento para alugar no seu prédio, fomos lá verificar. O ap tava precisando de uma pintura e alguns ajustes que nunca foram feitos por sinal, mas era bom. Três quartos com dependências e o melhor de tudo, tava dentro do orçamento e ficava no Conjunto dos Bancários, no STIEP, bairro muito bem localizado, perto da rodoviária e do Iguatemi. É isso mesmo, em Salvador estar perto do Iguatemi é uma boa referência de localização. Brincadeiras à parte, quem conhece a cidade sabe porque, não por causa do shopping, mas sim pelo fato de ser bem localizado mesmo, de fácil acesso (tirando os engarrafamentos), com transporte a vontade para todos os pontos da cidade. E, ter um shopping como o Iguatemi por perto não deixa de ser uma mão na roda.
Aí veio Ruy Bala, um grande amigo, vindo de Serrinha para trabalhar em Salvador, entrando na roda para ocupar o terceiro quarto. Fizemos um mutirão e nós três mesmos, pintamos o dito cujo. Quanto aos móveis e utensílios, foi uma colcha de retalhos. Minha cama e algumas panelas velhas doadas por minha tia Morena. Ruy trouxe uma estante, sua cama e umas panelas da casa dos pais em Serrinha. Minha mãe entrou com outras tantas panelas, toalhas, roupa de cama, travesseiros e etc. A minha irmã Silvia, coube a doação da mesa, do fogão e da geladeira. Ela tinha acabado de comprar geladeira e fogão novos, e os dela comprados para o seu primeiro casamento em 1980, ficaram pra gente. Estávamos em 1988. A mesa na verdade, era sua prancheta do inacabado curso de arquitetura. Eu a apelidei de Haroldo, por causa daquele personagem de Chico Anísio, o viado que, com medo da AIDS, resolveu virar homem, e, por mais que tentasse, não conseguia. Era o caso da prancheta, por mais que tentássemos deixá-la nos noventa graus, reta como uma mesa, ela insistia em voltar à inclinação de prancheta e a gente era obrigado a fazer as refeições com os pratos e talheres escorregando por causa da inclinação.
O caminhão que trouxe as coisas de Serrinha onde minha irmã também morava na época, e de Santo Amaro, onde morava minha mãe, foi emprestado por meu tio Raimundo, meu padrinho, marido de tia Morena, da sua empresa. Fomos eu e Luciano na boléia com Zé, o motorista particular de minha tia, dirigindo o caminhão. Já na viagem de ida, um desses guardas rodoviários querendo uma graninha nos parou. Não lembro qual, mas encontrou alguma irregularidade no veículo, tipo a pintura ta arranhada, o banco ta furado ou coisa assim. Como não tínhamos grana para molhar sua mão, como ele insinuou por mais de uma vez, o filho da puta nos multou. Pra completar, na volta, quando entrava no condomínio, a uns cem metros do prédio, o caminhão quebrou o diferencial e não saiu mais do lugar. Só no dia seguinte quando o reboque chegou.
Não foi moleza carregar tudo para o apartamento que já ficava no terceiro andar dum prédio sem elevador, com o caminhão tão longe assim. Os carregadores éramos nós, eu, Luciano e Zé, além de Ruy, que não viajou, mas ficou nos esperando no ap. Foi aí que o desastre aconteceu.
Com carregadores tão franzinos e despreparados, na hora de levar a geladeira, uma duplex enorme por sinal, foi um fiasco. A escada, em forma de caracol, muito apertada, dificultava nossa ação. Algumas pessoas, sensibilizadas com nosso vexame, se ofereceram para ajudar. Quando percebi já tinha um batalhão empenhado na função. Foi aí que alguém teve a infeliz idéia de deitar a bichinha. A porta abriu de vez e quebrou e, com a excessiva inclinação, o gás foi embora. Com isso durante os seis meses que moramos ali ela nunca gelou e nós, por dureza talvez, por descaso não sei, nunca mandamos consertar. Virou nossa dispensa. Com a escassez de armários, acabou sendo de grande utilidade. Perdi a conta da quantidade de vezes que perdemos comida por não termos uma Frigidaire.
Acabados os incidentes da mudança, esses seis meses ali, foram maravilhosos. Tempos bons aqueles. Nossos fígados estariam em bem melhor estado se não tivéssemos alugado aquele ap.
Logo depois que mudei um tio meu, José, me convidou para tomar conta de uma sorveteria que ele comprara em Lauro de Freitas, cidade da grande Salvador. O gerente de sorveteria era, na verdade, motorista particular. Já que na sorveteria ficava um menino que ele contratou para ficar no balcão, e eu levando e buscando minha tia no trabalho, no supermercado, minha prima na escola e muito mais. Lá mesmo só ia de tardinha para pegar o dinheiro do caixa que, de tanto que era, meu tio baixou as portas dois meses depois e eu continuei com ele por um bom tempo. Tinha um lado bom, o carro dormia comigo e eu podia ir pra faculdade com ele, fora os passeios dos fins de semana.
Com o meu salário, que devia valer em moeda de hoje um salário mínimo e meio, fui juntando grana pra comprar uma geladeira nova. Talvez por isso tenha significado tanto pra mim. Comprada com o suor do meu primeiro trabalho fixo e com a responsabilidade do dinheiro economizado. Pena que ela não chegou a tempo de conhecer o apartamento dos Bancários. Quando a grana que juntei deu pra comprá-la, meu pai havia surpreendido todos nós e comprado um apartamento pra gente. Um sub-solo escuro, quente e úmido no popular bairro de Brotas, mas nosso.
Como a nova mudança já estava prestes pra acontecer, pedi à loja que fizesse a entrega no novo endereço. Ela foi o primeiro morador do apartamento já que ficou lá sozinha por mais de uma semana até nos mudarmos. Quando isto aconteceu, nós todos juntos redescobrimos o prazer de tomar uma água gelada. Aí nos apaixonamos pela nova Frigidaire!*
*Quando surgiu a geladeira, na década de quarenta, se não estou enganado, uma marca logo se popularizou a Frigidaire. Durante muitos anos, a marca virou sinônimo do produto e muita gente só chamava geladeira de frigidaire. É o caso daquela famosa lâmina de marca Gillette, que até hoje é assim.
Um comentário:
Ah que texto delicioso de se ler kkk. A música de Belchior é genial e o texto nao ficou pra trás, cheio de bom humor e vida, prato cheio pra mim que gosto de ler coisas da vida.
Suas aventuras assemelham-se às que vivo agora rs. Bem, voltarei em breve para ler "A Necessidade faz o ladrao".
Abraço. Bom domingo. Inté!
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