quarta-feira, 30 de julho de 2008

LAI

Abrigo no meu peito um outro infame
Não cansa de sonhar que sou medonho
E como não achasse o bastante
Desdenha do meu ser e do que sonho

Que parca poesia me revela
Torpor a atiçar fortes açoites
Mesmo tendo eu criado ela
Nas insones e infindáveis noites

Se minh'alma de poeta está morta
E o breu da insegurança já me corta
E ninguém está ligando pro que digo

Quem sabe essa noite é de sorte
O amor de Lai enfim me mostre o norte
Pra conquistar aquilo que eu sigo?

terça-feira, 29 de julho de 2008

RETIRO TUDO QUE DISSE - São Paulo de Lílian a Adriano - I

Publicado em 15 de abril de 2007 no marcador Textos

A cidade de São Paulo



Retiro Tudo Que Disse
(Rudney Monteiro/Jorge Magalhães/Edmundo Carôso)

Nada em russo quer dizer tudo é possível
Eu não quero morrer sem conhecer São Paulo
Retiro tudo falso do que disse
Só vão sobrar as tolices

Retiro a culpa da culpa
De me achar por inteiro
Retiro o pão do açúcar
Te deixo o Rio de Janeiro

Nesse lampejo de medo
É tudo mesmo uma questão de sorte
Nesse lampejo de medo
Que passe a ponte o rio é sempre forte

Justo eu que falo tanto dos preconceituosos, aqueles que rotulam um povo inteiro pela atitude de alguns, tenho meus momentos de fraqueza. Um dia no entanto, a gente acaba levando na cara e tendo de reconhecer os nossos erros. Nordestino que sou, fico indignado quando alguém fala da gente. Sofremos muito nas mãos, ou melhor, nas bocas de cariocas, sulistas e, principalmente, paulistas. Tanto é que em São Paulo, ser baianinho é ser ridículo. Esta expressão me enojava. Hoje isto já não me toca mais, vejo com outros olhos. Depois que conheci Sampa e os paulistas com quem convivo, tive eu mesmo de engolir meu preconceito contra São Paulo.

Não sei exatamente porque, mas São Paulo para mim era um horror. Não gostava, falava mal, numa atitude idiota. Como alguém pode não gostar ou falar mal daquilo que não conhece? Os versos acima, escrito por Magal e Edmundo sobre uma linda melodia de Rudney, expressam um pouco o que falo. Inicialmente Magal, movido por preconceito igual ao meu, escreveu “Eu quero morrer sem conhecer São Paulo”. Edmundo a tempo, chegou para colocar o “não”. Sábia colocação. O próprio Magal recentemente, quando bebericávamos umas geladas na praia de Piatã em Salvador, me confessou o quão importante foi a intervenção de Edmundo. E que, se fosse hoje, ele mesmo teria colocado o “não” na letra. Uma palavrinha de três letras, que mudou completamente o discurso e seu sentido, evitando assim que fosse perpetuada uma visão preconceituosa e burra, típica de quem fala do que não conhece.

Lílian, tirando onda de modelo!
Aí entra Lílian na história. Uma paulista que conheci em circunstâncias totalmente casuais e que, sem ter a menor noção disso, demoveu-me deste preconceito imbecil e me colocou no meu devido lugar. Gosto muito desta paulistinha, uma amiga sincera e leal que há catorze anos me dá o prazer de participar da sua vida.

Carnavalesca de primeira grandeza, houve tempos em que não perdia um carnaval de Salvador. Foi num deles que a conheci. Estava acompanhada de uma amiga, talvez seja prima, Marília, que passou mal durante o desfile da Timbalada, onde na época eu trabalhava, era 1993. Nada demais, apenas um mal estar momentâneo, em função de um sol escaldante e um pequeno exagero nas fortes comidas baianas. Eu e um colega de trabalho, Tico, demos socorro às duas. Levamos Marília para o posto médico do carro de apoio com Lílian acompanhando, onde ela foi atendida e tudo ficou bem. Foi o suficiente pra ficarmos amigos. Naquele ano Brown tava idealizando fazer um arrastão na quarta-feira de cinzas, com a Timbalada tocando no trio sem cordas para o povo todo brincar. Não sabíamos se seria possível. Havia uma série de implicações, desde os custos de músicos, seguranças, trio à liberação da prefeitura e outras coisas. Este arrastão por sinal, virou uma tradição no carnaval de Salvador, acontecendo até hoje que além da Timbalada outros artistas pongaram na idéia de Brown, a exemplo de Ivete Sangalo. Só de saber desta possibilidade, Lílian enlouqueceu. Fiquei encarregado de avisá-la, pois ela não queria perder de jeito nenhum. O pior é que o arrastão só foi confirmado na madrugada da terça pra quarta e eu mesmo só fiquei sabendo às cinco horas da manhã quando ligaram pra minha casa acordadando-me para que eu começasse a tomar as devidas providências de produção. Quando tava pra sair, já perto das seis, lembrei de Lílian. Fiquei na dúvida se ligava uma hora daquelas pro hotel pra avisar. Imaginei que ela poderia ter ficado até tarde na rua se despedindo do carnaval e seria uma sacanagem acordá-la. Por outro lado caso eu não ligasse e ela viesse a saber que o arrastão saiu, poderia achar descaso da minha parte. Na dúvida, não ultrapasse. Eu ultrapassei e liguei. Isto eu não me lembro bem, mas acho que elas, mortas pelos pulos da noitada anterior, acabaram por não ir.

Nos anos seguintes, a cada carnaval ela voltava e a cada ano trazia uma amiga nova que eu acabava conhecendo e fazenda amizade também. Uma delas foi minha namorada por alguns anos. Mas, deixemos de lado o carnaval e voltemos para São Paulo no próximo capítulo que é o tema em questão.

domingo, 13 de julho de 2008

TATUAGENS

Cadê tuas tatuagens?
Lamento não vê-las
Enquanto passas na rua
Intrépida e elegante

De outra forma,
Eu tenho a certeza
Na vida vou tê-las
A mim tão expostas, brilhantes

Como seu coprpo,
Onde derramei desejos
Zanago fiquei e atordoado,
Inebridado com tanta beleza

Não deixe de expor teus desenhos
Hoje, amanhã, não importa
Apenas que eu veja
Duas, três, quatro...marcas perenes

E, te vendo passar mais uma vez
Esguia, altiva, diruptiva
Deixando o rastro do pecado
Visceralmente marcado nos curiosos

Aqueles que como eu te admiram
Lamentam não ver as figuras
Deste belo corpo magro...
Olhas para mim, eu sei!

sexta-feira, 11 de julho de 2008

QUANDO O DESTINO QUER...

Publicado em dois capítulos em Setembro e Dezembro de 2007 no marcador crônicas

Quando Evandro entrou em casa logo percebeu que havia algo diferente. Já fazia muitos anos que ele morava sozinho e conhecia cada canto do lugar, a milimétrica posição de cada objeto, nada escapava ao rigoroso crivo do seu jeito sistemático de ser. Extremamente organizado notou imediatamente que o telefone estava um pouco mais a direita do que de costume. Quando foi conferir, erá óbvio que alguem o afastara para dar passagem à mão e alcançar o fundo da mesinha. Logo viu que o fio estava desconectado da tomada. Como poderia alguém ter feito aquilo. Não havia nem um sinal de arrombamento. A porta e fechadura estavam intactos. Ninguém possuía uma cópia da chave, nem poderia, aquele era o seu mundo, seu porto seguro, não havia como compartilhar com outrem. Ficou um pouco amedrontado. Será que havia mais alguém em casa? O que estaria fazendo ali? Seria um assalto? Uma vingança? Os pensamentos fluíram desordenadamente e uma sensação de pânico invadiu o seu interior.

Naquele momento, ele lembrou os acontecimentos da noite anterior. Fizera algo horrível, desumano e talvez estivesse agora pagando por sua conduta deplorável. Atropelou um mendigo e se negou a dar socorro. Chegou a parar o carro, viu o corpo agonizante e ensanguentado do homem no chão. Quando imaginou a sujeira que seria no seu estofamento novinho, olhou ao redor e, àquela hora da madrugada, não havia uma viva testemunha do acontecido. Contudo, tal atitude lhe tirou a paz. Não houve um segundo sequer desde o acidente, que sua mente não ruminasse um remorso sem fim. Começou a ficar assustado. Teria alguma relação com estes fatos da noite anterior?

Ofegante, começou a examinar cada detalhe e percebeu outros claros sinais de que alguém esteve ou estava ali. Apurou a audição, nem um ruído. Restava o andar superior onde ficava seu quarto, o banheiro e a biblioteca, o lugar mais preservado da casa, pelo qual ele seria capaz de morrer. Teve medo de subir os degraus, nem podia imaginar o que o esperava. Sem outra alternativa, começou a subir. A cada degrau seu coração acelerava. Tinha a impressão que saltaria do peito. Primeiro o banheiro. Nada além da torneira que pingava lentamente. Devia ter consertado o vazamento, pensou. No quarto outro sinal. O telefone da cabeceira também havia sido desligado. De resto tudo normal. A essa altura, o coração parecia furar-lhe o peitoral, tamanha a força e velocidade dos batimentos. Uma dor aguda começou a tomar-lhe o braço esquerdo projetando-se levemente para o peito. A respiração ficou mais difícil, faltava-lhe ar. Com as poucas forças que restavam, arrastou-se até a biblioteca. Ao entrar, olhando as estantes vazias, nenhum livro sequer, o que acontecera? Quem roubaria um monte de livros velhos? Para ele, era sua maior fortuna. Foi aí que a dor ficou insuportável, como se alguém batesse em seu peito com muita força. Perdeu os sentidos e desmaiou.

Quando Evandro acordou, a visão que teve foi assustadora. Seu corpo desacordado no chão de uma biblioteca intacta. Seus livros valiosos jaziam na estante, criteriosamente arrumados como sempre. Estaria tendo uma alucinação. Há poucos instantes as prateleiras estavam vazias. Como isto poderia acontecer? Lembrou da sala e correu para verificar. Ficou surpreso ao perceber que não andava e sim flutuava lentamente. Um forte terror invadiu sua mente e ele teve por um momento nova ânsia de desmaio. Na sala, tudo no seu devido lugar. O fio do telefone conectado, o aparelho na devida posição. O que estaria acontecendo? Voltou à biblioteca e ficou longos minutos contemplando o seu corpo no chão sem entender o que estava acontecendo.

Foi aí que lembrou do acidente. Mais uma vez o remorso o corroeu. Rapidamente saiu flutuando até local e mais surpreso ainda ficou ao ver o mendigo são e salvo, sentado na calçada comendo um pão velho provavelmente dado por algum transeunte. De repente o inesperado. O mendigo levanta-se, visivelmente bêbado e atravessa a rua rapidamente. Um carro, em alta velocidade o atropela jogando-lhe a alguns metros de distância. O mendigo agonizava e sangrava muito. O carro parou e seu motorista desceu. Como podia? Era ele. Assustado olhou em volta como se procurasse testemunhas àquela hora da madrugada. Após alguns segundos de dúvida, pegou o mendigo colocou no banco de trás e o levou a unidade de emergência mais próxima.

Lá chegando imaginou como a vida era injusta, como o mundo era cruel. Como podia alguém ser tratado num local como aquele? O que estava sendo feito com os milhões que o governo arrecadava com a previdência? Bem, ele não ia consertar o mundo. Estava mesmo preocupado em saber o estado do pedinte. Foi aí que veio o médico e deu a notícia. O mendigo não resistira aos ferimentos e acabara de vir a óbito. Evandro empalideceu. Uma dor aguda começou a tomar-lhe o braço esquerdo projetando-se levemente para o peito. De repente a dor ficou insuportável, como se alguém batesse em seu peito com muita força. Perdeu os sentidos e desmaiou. Imediatamente o médico acionou os enfermeiros e o removeram para uma unidade de tratamento intensivo. Muitos aparelhos foram ligados. Deram vários choques em seu peito, uma agitação insana tomou conta da sala. o aparelho que monitorava seus batimentos mudou o gráfico na tela e o ritmo dos sinais. Não entendia nada, mas devia ser uma coisa boa a tirar pela mudança positiva dos semblantes da equipe. O médico então retirou a máscara e falou sorrindo: - Ainda não foi desta vez meu amigo! Só então Evandro entendeu que estava morto.

domingo, 6 de julho de 2008

O CASAMENTO PERFEITO

Publicado no dia 05 de Maio de 2007 na marcador Crônicas

Cibele e Jânio recentemente completaram sete anos de casados. Ao contrário do que todos dizem, para eles não era uma fase de crise e sim de muita harmonia. Conquistaram muitos progressos desde que selaram o matrimônio e, hoje, viviam de forma estável. Problemas e brigas existiam, mas num contexto geral, podiam considerar-se um casal feliz. Desde a época de namoro haviam combinado que seria uma união deles e para eles, por isso não queriam ter filhos. Ela nunca se imaginou como mãe. Perdendo noites, as preocupações naturais da maternidade, a perda da privacidade e da liberdade. Definitivamente não era pra ela. Em Jânio encontrou o homem ideal. Carinhoso, bonito, promissor, aparentemente fiel e, o mais importante, não queria crianças.

Os dois estavam embutidos nos mesmos objetivos de estudos e crescimento profissional, além da dedicação mútua. Assim estavam vivendo, assim estavam felizes. Cibele fazia uso de contraceptivos regularmente e, embora tivesse uma vida sexual intensa, sem uso de preservativos, nunca suspeitara de uma gravidez. Acontece que o destino reservara uma surpresa. Fazia três semanas que sua menstruação não chegava. Ela começava a sentir enjôos e achava a barriga um tanto inchada. Tinha certeza que estava grávida. Como dar a notícia a Jânio? Ele certamente tomaria aquilo como uma traição ao pacto dos dois. Ela não planejara, certamente o anticoncepcional havia falhado, mas tinha medo da reação do marido. O pânico foi tanto que não teve condições de fazer o exame para atestar a gestação. Passaram-se duas semanas e nada. Cibele mudou, ficou distante, fria e Jânio percebeu. Ela usou uma série de desculpas e justificativas, mas Jânio notara claramente a alteração no comportamento da esposa. Começou a ficar com uma pulga atrás da orelha e a pressioná-la para que abrisse o jogo.

Foi tanta a pressão que Cibele não suportou. Acabou por contar a Jânio da sua suspeita. A reação dele foi a pior possível. Primeiro acusou-a de desleixo, irresponsabilidade, de tentar enganá-lo. Depois contestou a paternidade. Cibele não sabia, mas Jânio era estéril e, mesmo no calor daquele momento, não teve coragem de contar. Na verdade ele era um complexado, falava que não queria filhos por não ter coragem de assumir sua condição de infértil. E, por último, isto foi à gota d´água, logo sugeriu o aborto. Cibele tremeu nas bases. Não queria ser mãe, mas jamais cometeria um ato daqueles. Preferia abrir mão de todos os seus princípios, a carregar a culpa de tirar a vida de uma criança inocente, cuja existência não foi sua escolha e por quem se sentia com total responsabilidade. Jânio foi irredutível. Sabia que o filho não era dele embora não contestasse com a esposa a situação, para não expor o seu grande fracasso. Era incapaz de procriar. Aí nasceu a desconfiança, a decepção, a desarmonia, coisas que alguém jamais imaginaria existir entre os dois.

Os últimos dias foram um inferno. Mal se falavam e, quando isto acontecia, só trocavam acusações e ofensas. Cibele, já não agüentando a situação, buscou os conselhos da mãe. Esta, por sua vez, levou-a ao médico. Era o mais natural, tudo estava movido por meras suposições. Realizados os exames, veio o surpreendente diagnóstico. Ela não estava grávida. Uma pequena disfunção hormonal atrasou suas regras e a cabeça cuidou para o surgimento do resto dos sintomas. Um verdadeiro alívio. Não via à hora de contar ao marido que tudo não passara de um grande engano.

Assim as coisas se resolveram. Ficou, no entanto, uma grande seqüela, uma nova visão de um para o outro, na forma de enxergar o seu companheiro. Botadas as cartas na mesa, o casal prosseguiu com a vida de sempre. Mas o casamento perfeito jamais foi o mesmo depois da suposta gravidez de Cibele. Não foi à-toa que eles vieram a se separar um ano depois.