segunda-feira, 14 de abril de 2008

VIVA AS DIFERENÇAS

Esta semana recebi do amigo Luis Edson um e-mail dissertando sobre a maneira do nordestino falar. Seu sotaque cantado, meio arrastado, suas expressões típicas e as peculiaridades do nordestinês. Uma coisa que gostei muito no texto, foi o fato de ele incentivar o povo do nordeste a se orgulhar da seu dialeto e procurar manter suas origens onde quer que estejam. Ignorar as gozações Brasil a fora, principalmente as dos sulistas. O povo que valoriza sua cultura e sua história se fortalece e se impõe perante os preconceituosos que, na maioria das vezes falam do que não conhecem.

Isto me fez refletir sobre uma coisa muito boa para todos nós. A riqueza cultural do nosso país é imensa e não precisamos ficar medindo forças ou fazendo comparações desnecessárias, apenas cada um respeitando as diferenças entre cada cultura e sabendo dar valor ao que é seu. Isto se reflete na língua, no comportamento, na culinária, na música e em tantos outros aspectos da cultura popular. Somos privilegiados neste aspecto. Já imaginou um chinês, por exemplo, que não entenda nada de português, ouvindo um baiano, um gaúcho e um mineiro conversarem? Com certeza vai pensar que são três idiomas diferentes sem entender como eles conseguem se comunicar. Estas diferenças acontecem às vezes, dentro de um mesmo estado. Aqui na Bahia mesmo, eu que já perambulei muito pelo interior, senti na pele as diferenças marcantes entre a maneira de cada povo falar. Quando morava em Serrinha, sertão do estado, ouvia a expressão "enrabar" de forma inocente com muita frequência. Significava correr atrás, perseguir. O próprio Aurélio traz essa definição. Quando mudei para Santo Amaro da Purificação, no recôncavo baiano, e levei uma carreira de um famoso cachorro da cidade, o Faísca, e contei na escola que o bicho tinha me "enrabado", fui alvo de gozações por muito tempo entre os colegas. A expressão lá tinha um outro significado, nada agradável, que também consta no Aurélio. Resultado, durante meses fui o menino que "Faísca enrabou". Que Mico!

Já em Serrinha, "bateria" significava apenas a pilha que alimenta seu rádio, ou o que dá energia aos instrumentos elétricos do seu carro, em Santo Amaro também podia expressar aquele amigo querido com quem você estava sempre junto. Quando fui na Chapada Diamantina pela primeira vez, ao perguntar sobre como chegar num determinado ponto turístico, fui informado que deveria pegar o "kombão" das oito. Intrigado procurei saber o que aquilo significava e descobri que se tratava de um ônibus que passava em Lençóis diariamente. A expressão nasceu porque em tempos antigos, ônibus não circulavam por lá e o transporte de passageiros era feito por kombis. Quando o primeiro ônibus apareceu, foi logo apelidado de "kombão", ou seja, uma kombi grande. A expressão pegou e atravessou décadas e gerações. Tudo isso dentro de um mesmo estado. Só aqui, seriam inúmeros exemplos a citar. Na verdade eu acho essas diferenças uma riqueza, uma prova da criatividade do nosso povo.

Ontem, assistindo ao DVD do Vander Lee, Pensei Que Fosse o Céu, fiquei encantado com uma história que ele contou. Uma vez perguntado porque ele, mineiro da gema, já tinha feito músicas para vários meios de transporte como navios, aviões e ônibus urbanos, que por sinal lá eles chamam de "balaio", nunca tinha escrito uma canção sobre trens que é quase um símbolo do estado. Ele então falou que já tinha feito várias músicas falando sobre trens. O interlocutor, sem identificar a canção, perguntou logo: -Qual? -Uai, navio é o "trem" que flutua, avião é o "trem" que vôa e balaio é o "trem" que anda! Uma verdade incontestável!

Já viajei muito Brasil afora e aprendi a respeitar essas diferenças e valorizar a minha cultura, meu modo de falar. Sou baiano e nordestino com muito orgulho e se alguém achar graça, fico até orgulhoso. Não me importo mais com as piadas de mau gosto. Não me atingem mais. Em todos os lugares, seja no norte ou no sul, sempre existirão pessoas pobres de espírito e preconceituosas assim como existem as pessoas decentes e equilibradas. Eu mesmo tenho amigos espalhados pelos quatro cantos do Brasil, que me valorizam do jeito que sou, com minha cultura e meu modo de falar e sabem que a recíproca é sempre verdadeira. Agora mesmo, estou indo brevemente passar sete dias em São Paulo, onde irei encontrar amigos do peito que, com certeza, me receberão como o Cristo Redentor que fica no Rio de Janeiro: de braços abertos.

Todo este bolodório de dialetos e costumes, me fez lembrar de uma música que fala sobre a cultura e a riqueza do nordeste, mas que, na minha opinião, retrata isso de forma preconceituosa. Fala em divisão e é extremamente utópica. No entanto, não posso deixar de dar a ela o valor poético da letra, que ora compartilho com vocês. Mas, não corroboro com o que ela diz, mesmo que no final ela tente se redimir. Não quero divisões, quero somar. Não quero separar, quero unir. Não quero bairrismo, quero viajar. Não quero as raças brigando, quero a miscigenação e, sobretudo, quero o amor. Muito amor entre as pessoas, raças, povos e nações.

Nordeste Independente
(Bráulio Tavares/Ivanildo Vila Nova)

Já que existe no Sul este conceito
que o Nordeste é ruim, seco e ingrato,
já que existe a separação de fato
é preciso torná-la de direito.
Quando um dia qualquer isso fôr feito
todos dois vão lucrar imensamente
começando uma vida diferente
da que a gente até hoje tem vivido:
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

Dividindo a partir de Salvador
o Nordeste seria outro país:
vigoroso, leal, rico e feliz,
sem dever a ninguém no exterior.
Jangadeiro seria o senador
o cassaco de roça era o suplente
cantador de viola o presidente
e o vaqueiro era o líder do partido.
Imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

Em Recife o distrito industrial
o idioma ia ser "nordestinense"
a bandeira de renda cearense
"Asa Branca" era o hino nacional
o folheto era o símbolo oficial
a moeda, o tostão de antigamente
Conselheiro seria o Inconfidente
Lampião o herói inesquecido:
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

O Brasil ia ter de importar
do Nordeste algodão, cana, caju,
carnaúba, laranja, babaçu,
abacaxi e o sal de cozinhar.
O arroz e o agave do lugar
a cebola, o petróleo, o aguardente;
o Nordeste é auto-suficiente
nosso lucro seria garantido
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

Se isso aí se tornar realidade
e alguém do Brasil nos visitar
neste nosso país vai encontrar
confiança, respeito e amizade
tem o pão repartido na metade
tem o prato na mesa, a cama quente:
brasileiro será irmão da gente
venha cá, que será bem recebido...
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

Eu não quero com isso que vocês
imaginem que eu tento ser grosseiro
pois se lembrem que o povo brasileiro
é amigo do povo português.
Se um dia a separação se fêz
todos dois se respeitam no presente
se isso aí já deu certo antigamente
nesse exemplo concreto e conhecido,
imagine o Brasil ser dividido
e o Nordeste ficar independente.

8 comentários:

Denis Barbosa Cacique disse...

Olá, Adriano. Como vai?
É minha primeira visita aqui. Gostei.
Acho interessante esse negócio de sotaque. Faz alguns meses que fui visitar parte da minha família que mora no norte de Minas Gerais. Achei um charme o falar arrastado das mineirinhas.
Abraços
Denis

Paulo Bono disse...

acho essa coisa de sacanear sotaques a maior idiotice. se cada um tem um jeito de falar, é pq não existe um jeito certo.

abraço, meu rei.

.. disse...

Olá,meu "rei"
Adoro as diversidades da nossa cultura linguística...
Quando fui à Bahia voltei com leve sotaque baiano que quando perdi fiquei muito triste.
Sou carioca,melhor fluminense ,pois nasci em Petrópolis .Gosto do meu sotaque,mas sei que arrastamos os "r" e assobiamos os "s"..mas é aí que reside a riqueza de um país continente.
Abraço
Clau

Denis Barbosa Cacique disse...

Olá, Adriano!
Vim agradecer pela visita que vc fez ao Nobre Ordinário.
Linkei vc lá, assim fica mais fácil vir pra cá.
Abraços,
Denis

Ana Casanova disse...

Olá Adriano,
Achei fantástico o teu texto e não podia estar mais de acordo contigo.Devemos valorizar tudo o que é nosso e orgulharmo-nos com isso.O vosso País é imensamente grande mas olha que Portugal é pequenino e tb aqui existem as diferenças a nível linguistico entre norte e sul.Tb existe o gozo, por exemplo dos naturais do Alentejo que têem uma forma arrastada e cantada de falar, assim como da gente do Norte que troca os "b" pelos "v".Exemplo: Baca em vez de vaca, binho em vez de vinho etc.
Em Lisboa refere-se o facto de se falar um português mais correcto mas com uma forma por vezes um pouco "snob".
Outra coisa que falaste e achei engraçada, foi o significado das palavras.Eu usei a palavra gozo mas sei que para vocês tem uma conotação bem diferente da nossa, como tantas outras palavras.
Fundamental mesmo é o respeito pelas diferenças e entendermo-nos uns aos outros e viver em harmonia.
Estamos de acordo?
Beijinhos querido!

Anônimo disse...

É por isso que eu não troco esse país por nada!
Tenho muita vontade de conhecer outros países e culturas. Mas morro de vontade de conhecer todas as culturas do Brasil!
Beijos, Adriano.
Muito bom teu texto...
;)

Jacinta Dantas disse...

Êta baiano rápido no gatilho uai...
eu ainda fazia os acertos da foto quando vi seu comentário no meu florescer. Amei.
E seu texto me faz constatar que mineiro, baiano, capixaba... somos todos um corpo que precisa de muito cuidado para viver bem com seu jeito de ser. E nesse Brasil tem gente boa prá todos os lados.
Beijão

Éverton Vidal Azevedo disse...

Adoro tudo do Nordeste, aliás, o Acre é o 10º estado do Nordeste, que sem querer nasceu no NOrte, sob um des-empréstimo da Bolívia. O Amazonas é outra história. É norte com todas as suas idiossincrasias e manias.

Eu graças a Deus posso cantar quase uma "paratodos" (Chico Buarque), tenho vô Baiano, vó boliviana, tem português, tem indía, tem cearense tem tudo!

Ótimo texto Adriano! E que o Nordeste nao fique independente rsrsrs.

Inté!



*Ouvindo "Amora" do renato Teixeira, que lista!*