terça-feira, 22 de abril de 2008

O SIGNIFICADO DOS SONHOS

Sinézio foi dormir muito ansioso naquela quinta 17 de abril de 2008. As coisas não andavam bem para ele ultimamente. E o estranho sonho vinha se repetindo há meses. "...O super-homem falando: aproveita que ela ainda é sua!..."

Estava muito desconfiado que Mirtez, sua amada noiva, a mulher da sua vida, com quem pretendia casar, ter filhos e netos, iria a qualquer momento lhe dar um pé na bunda, mesmo depois dos cinco anos de noivado. Estava quase arrependido de não ter cedido antes à pressão que ela fazia para o casamento. Ele só desconversava, dizia que ainda não era a hora, que estava esperando a promoção na empresa do Pólo Petroquímico de Camaçari, onde trabalhava há doze anos. Continuava deixando-a a segundo plano, priorizando os amigos e a cervejada, as noites no dominó, os sábados de sinuca e os domingos no Barradão. Isto para não falar das outras mulheres que, de vez em quando, ele traçava nas saídas com os amigos na sexta. Nada sério, só sexo casual. Mirtez nunca soube nem desconfiou, isto era um orgulho. Ele sabia trabalhar! Sem contar que, as segundas e quartas eram sagradas. Sempre dedicadas à ela.

Há muito Mirtez vinha tendo um comportamento diferente. Já não era a mesma pessoa. Mostrava-se fria, principalmente no sexo. Parara de cobrá-lo, de querer discutir a relação, de ligar toda hora para saber onde ele andava, de fazer surpresinhas nas datas especiais, e, o que é pior, não demonstrava infelicidade, pelo contrário, andava com ares sorridentes, mas com ele, sempre muito fria. Começava a temer por seu futuro com Mirtez. Por mais machista que fosse, não era burro o suficiente para ignorar os sinais que ela há um bom tempo vinha mandando. Começou a ficar apavorado e decidiu que sexta, 18 de abril de 2008, dia em que seria finalmente promovido, a pediria em casamento e poria fim de uma vez por todas à sua vida de solteiro. Fim dos dominós da terça, dos babas da quinta, das farras de sexta com os amigos do trabalho, dos sábados na sinuca e dos domingos no Barradão vibrando por seu Vitória. Agora seria um homem casado, muito bem casado e, portanto, teria toda a semana para a sua mulher, com quem construiria sua família. Mesmo que isto fosse lhe custar um grande sacrifício.

Naquela sexta, mudaria sua vida. Ainda pela manhã, no meio do expediente, ligou para ela e a convidou para jantar. Disse que tinha algo especial a falar-lhe. Fez uma reserva num dos restaurantes mais caros da cidade, o Trapiche Adelaide. Mesa para dois, à luz de velas. Seria o pedido oficial. Encomendou um bouquet especial de flores vermelhas na floricultura do shopping, esta estaria aberta quando ele chegasse do pólo. Já se imaginava descendo na frente do Iguatemi, pegando as flores, indo para casa de táxi, tomando um belo banho, vestindo sua roupa nova e usando seu perfume francês, comprados especialmente na véspera para a ocasião. Aí, iria de carro buscar Mirtez em casa para a noite maravilhosa que os esperava. Uma suíte de primeira, também já estava reservada no motel Del Rey.

Na hora do almoço, no refeitório da fábrica, sentou com o melhor amigo da empresa, Marinho. Contou a ele o que faria aquela noite e o amigo deu-lhe a maior força. -Já não era sem tempo Nezinho. Nenhuma mulher aguenta tanto descaso por muito tempo. Se demorasse mais, acabaria por levar um pé no traseiro. -O pior Marinho é que eu já venho desconfiando que ela pensa em terminar comigo. -Então não perca tempo homem. Se tem certeza que a ama, vá em frente. Case com ela. -É o que vou fazer hoje. Pedi-la em casamento. Depois do almoço, os dois foram para a sala de descanso e Sinézio, como de costume, recostou-se no sofá e, pela primeira vez, aquele sonho louco, noturno, apareceu na sua tradicional sesta. "...Sinézio era apenas um menino de doze anos. Adorava os passeios de Domingo com os pais, principalmente quando íam ao zoológico. Naquele domingo no entanto, aconteceu algo muito especial...." - Acorda Nezinho! Tá na hora de bater o cartão! Era Mário.

Trabalhou aquela tarde com uma estranha angústia no peito. Teve muita taquicardia, mas atribuiu ao fato de estar esperando o chamado do chefe para a conversa do final do expediente, onde receberia enfim, a tão sonhada promoção. Já tinha subido de posto cinco vezes, desde quando entrou na empresa como auxiliar de manutenção, há doze anos atrás. Agora sem dúvida, deveria ser promovido à supervisor. Isto lhe traria em média trinta por cento de aumento salarial e uma posição de bem mais força e status junto aos colegas. Se sentia muito orgulhoso. Às 16hs, Sr Nonato o chamou na sala. Quando recebeu a ligação da secretária do chefe, seu coração parou por alguns segundos. Ele respirou fundo, tomou um pouco de água, se recompôs e foi atender ao chamado. Na recepção, a secretária pediu que aguardasse. Entrou e demorou bastante. Ele não sabe quanto tempo se passou, se uma hora ou dois minutos, mas, por incrível que pareça, mesmo com toda a ansiedade, cochilou de novo e voltou a sonhar.

"...Ele estava todo uniformizado. Vitória dos pés à cabeça, assim como o pai. Depois do zoológico, iriam pra casa almoçar e, de tarde, o Ba X Vi na Fonte Nova. Ele adorava os Ba X Vi´s e os domingos de futebol. Seu pai sempre o levava. Era dia de churrasquinho de gato, de pipoca fria deliciosa, muito refrigerante e dos palavrões. Em sua casa era proibido, o próprio pai o repreendia. Mas lá ele podia ouvir e dizer "porra", "filho da puta", "puta-que-pariu", "caralho" e tantos outros, tudo isto com o aval do pai. De repente, enquanto dava pipoca ao macaco, ignorando a placa que proibia dar comida aos animais, ouviu um forte barulho vindo de cima. Olhou pro céu e não acreditou. Era o super-homem. Seu maior ídolo. Gritou pros pais: -Olhem, o super-homem! Ninguém respondia. Parecia que só ele era capaz de ver o seu herói. Pensou: ele veio falar comigo! Mas o super homem pousou na jaula ao lado da que ele estava, a dos leões. Ignorando à todos, baixou a sunga vermelha, mostrando um pinto descomunal e duro como Nezinho nunca tinha visto e fez com um leão, o mesmo que via seu cachorrinho fazer com a cadela da vizinha. Foi muito rápido. O leão gritava muito, quase chorava. Ele se perguntava porque Laika fazia cara de prazer com seu cachorrinho. Quando acabou, antes de sair voando, o super-homem falou pra ele: aproveita que ela ainda é sua!..." -Seu Sinézio, Sr Nonato pediu pro senhor entrar! Desconsertado, ele levantou da poltrona e entrou na sala do chefe enxugando o suor com o lenço.

- Sinézio. Serei direto com você, justamente por reconhecer a importância dos seus serviços e o quanto você merecia uma promoção. Mas a empresa está passando por uma série de dificuldades e, infelizmente, fará um corte grande de pessoal. Tentei evitar mas não consegui te poupar. Você será incluído na lista de demissões que será divulgada na próxima segunda pela manhã. Saiba que não concordo com isso, mas infelizmente a ordem é superior à mim. Farei de tudo para te ajudar. Tentarei te indicar para um outro trabalho. Tenho muitos amigos no Pólo. Só chamei você aqui, porque não iria me perdoar se deixasse você saber da notícia numa circular, como vai acontecer com os outros vinte e nove. Só te peço segredo até segunda! Sinésio não disse uma palavra. Faltou chão abaixo dos seus pés. Na mesma hora pensou em Mirtez. Teve lucidez pra lembrar que o mundo não havia acabado. Receberia indenização, tinha o FGTS. Nem tudo estava perdido. Era competente e em breve, com certeza, estaria empregado novamente.

Saiu atordoado da sala do Sr Nonato, entrou no ônibus de uma outra turma. Não queria ver os amigos que, com certeza, fariam vários questionamentos sobre a promoção. Apenas uma coisa era certa para ele. Não poderia perder Mirtez. Então resolveu manter todo o plano romântico que arquitetara. Desceu no shopping, pegou as flores, tomou seu banho e se perfumou. Antes de sair de casa viu que precisava de uma quente para conter o nervosismo. Abriu uma garrafa de cachaça mineira das boas, presente de um amigo que recentemente viajou à Minas e tomou três doses duplas. Voltou ao banheiro, escovou os dentes novamente e saiu. Na porta do prédio de Mirtez a cena na sala do chefe voltou à sua mente. O desespero foi imenso e ele não teve coragem de chamar. Então saiu e parou no primeiro bar e começou a beber. Pouco depois o celular começou a tocar. Era Mirtez. A última vez que ele olhou, eram 22:10hs e a já era a vigésima segunda ligação.

Às três e meia da manhã, completamente bêbado, voltou ao prédio de Mirtez. Era conhecido de todos e tinha a chave do apartamento. Não teve problemas para entar. Quando abriu a porta do quarto e sala, logo ouviu os gritos do amor vindo do quarto de Mirtez. - Vem meu super-homem, me faz mulher, me ama, me foooo.... Desesperado, correu pra cozinha, pegou uma faca e, em silêncio, foi para o quarto. Estava escuro, luz apagada. Não quis ouvir mais nada. Avançou e desferiu cinquenta e nove golpes em cima dos amantes. O sangue jorrou sujando Sinézio todo e o quarto do chão ao teto. Aí ele parou, mais uma vez respirou fundo e acendeu a luz. Mirtez e o amante, mortos, desconfigurados. - Meu Deus! O que eu fiz? Gritou com todas as suas forças. Sentou na cama e olhou para baixo. Repousada no chão, ao lado do amante de Mirtez, uma camisa do Bahia. Ele a pegou e viu o desenho do super-homem.

No domingo, no radinho de pilha de um companheiro de cela, ouviu o Vitória tomar 4 x 1 do Bahia em pleno Barradão. Depois do jogo, foi leão por quatro vezes para os super-homens da cela...

TRIIIMMMM, TRIIIMMMM, TRIIIMMMM, TRIIIMMMM. Olhou assustado pro despertador. Quatro horas da manhã. Conferiu o relógio para ver a data: sexta 18 de abril de 2008. - Ufa! Foi um sonho. Foi para o trabalho e, à noite, num jantar à luz de velas, pediu Mirtez em casamento. Foram muito felizes. Não para sempre, mas foram.

5 comentários:

Anônimo disse...

Ah... teve que se apavorar muito pra resolver pedir a coitada em casamento, hein?
Homens, homens... Que seria de nós, mulheres maravilhosas, sem esses serem fraquinhos! rsss
Beijos, Adriano!

Jacinta Dantas disse...

Mas a tônica do conto me parece ser o super(pobre)homem. Quanta provação nesse sonho!
Abraços
Jacinta

Paulo Bono disse...

genial, Caroso. Esse conto é genial. uma puta história e muito bem escrita. parabéns, meu velho.

abraço

Unknown disse...

Eu acredito que essa estória (estória com e mesmo) é um pouco mais antiga. Deve ter sido nos 6x2 e outros placares que não quero nem falar. Mas parabéns Adriano, que texto brilhante, mesmo o cara torcendo para o incolor...hehehehe

Unknown disse...

Eu acredito que essa estória (estória com e mesmo) é um pouco mais antiga. Deve ter sido nos 6x2 e outros placares que não quero nem falar. Mas parabéns Adriano, que texto brilhante, mesmo o cara torcendo para o incolor...hehehehe