segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

SANTO AMARO – Diário de Bordo


Trilhos Urbanos
(Caetano Veloso)

O melhor o tempo esconde
Longe, muito longe

Mas bem dentro aqui
Quando o bonde dava a volta ali

No cais de Araújo Pinho
Tamarindeirinho
Nunca me esqueci
Onde o imperador fez xixi

Caba doce Santo Amaro,
Gosto muito raro
Trago em mim por ti
E uma estrela sempre a luzir

Bonde da Trilhos Urbanos
Vão passando os anos
E eu não te perdi
Meu trabalho é te traduzir

Rua da Matriz ao Conde
No trole ou no bonde
Tudo é bom de ver
São Popó do Maculelê

Mas aquela curva aberta,
Aquela coisa certa
Não dá pra entender
O Apolo e o Rio Subaé

Pena de Pavão de Krishna
Maravilha vixe Maria mãe de Deus
Será que esses olhos são meus?

Cinema transcendental
Trilhos urbanos, Gal
Cantando o Balancê
Como eu sei lembrar de você.


Santo Amaro da Purificação é uma cidade iluminada. Terra de artistas e poetas, tão bem cantada nos versos de um dos seus mais ilustres filhos, Caetano Veloso, como se vê na letra de “Trilhos Urbanos” acima. Santo Amaro tem uma importância fundamental na minha formação como pessoa. Sou o homem que sou porque tive o privilégio de passar parte da minha infância lá. Caso contrário, seria muito pior. Lá também nasceram os primeiros rabiscos e versos que criei. Lá conheci Márcio Valverde, amigo, irmão e parceiro. Santamarense nato e apaixonado, Márcio foi um dos responsáveis diretos para que eu voltasse a compor e a ter coragem de expor novamente os meus versos. Um dia ele me ligou após ter lido o texto que escrevi sobre a cidade e sobre ele logo no início deste blog. Reclamou que o chamei de ingrato e me convidou a voltar a compor com ele. No início não dei muita importância, não estava tencionando voltar a fazer música, mas o destino nos reserva caminhos e às vezes não temos como lutar contra eles.

Quando voltei de Belo Horizonte, encantado com a cidade e inspirado pelos fluidos do Clube da Esquina, uns versos vieram me perseguindo. Começou no caminho para o aeroporto. Sem lembrar que lá estava em horário de verão e o meu celular no horário de Salvador, coloquei o aparelho pra despertar a tempo de me preparar para vencer os quase 50km que separam o centro da cidade até COFINS. Acordei com calma e fui me arrumando para descer, fechar a conta do hotel, tomar o café da manhã e seguir viagem de volta. No meio do banho me dei conta do equívoco e que estava uma hora atrasado. Sem o desjejum, peguei um táxi correndo e pedi ao motorista que adiantasse para que eu não perdesse o vôo. Enquanto o carro seguia em disparada pelas ruas da cidade, eu, morrendo de medo, burilava na cabeça os versos de Natasha & Letícia que já publiquei aqui. Cheguei ao aeroporto com o poema pronto, mas, como estava em cima da hora, não tive tempo de registrar em papel antes de entrar no avião. Pedi ao comissário que me conseguisse caneta e papel e ele ficou de levar assim que tudo estivesse em ordem para decolagem. Acontece que dormi antes e cheguei ao Rio de Janeiro, onde fiz uma conexão, sem registrar o poema. No Galeão comprei um caderno e uma caneta. A princípio temi não recordar os versos compostos em meio ao pânico do táxi em alta velocidade, mas enquanto aguardava o almoço consegui enfim passar pro papel as insistentes palavras. Quando cheguei a Salvador, me dei conta que tinha esquecido o caderno no carrinho de bagagens no aeroporto do Rio. Mas, o poema me perseguiu e lembrei dele inteirinho em casa onde definitivamente fiz o seu registro em arquivo ponto doc. Aí tive a idéia de mandar um e-mail pra Márcio com o poema. No dia seguinte ele me respondeu que tinha gostado e que aguardasse, pois iria por a letra na caixa do seu violão. Meu irmão Luciano que conhece o cara como ninguém me disse logo: - Se ele guardou na caixa da viola é porque gostou e vai rolar. Não deu outra. Dois dias depois me liga Márcio às onze horas da noite e canta a música pra mim. Foi uma emoção muito legal. Natasha & Letícia virou "Horizonte Belo", a primeira das muitas músicas que pretendo fazer. Com umas pequenas alterações e a exclusão da última estrofe, a canção ficou pronta.

Pois bem, sexta passada, 14/12/07, viajei a Santo Amaro a fim de passar o final de semana com Márcio e sua família, a esposa Lívia e os filhos Flor e Gabriel. Levei comigo minha princesinha Júlia e muita saudade daquela terra. Uma terra de amores, uma terra onde enquanto de um lado da praça rola uma roda de violão com boêmios apaixonados, no outro lado acontece uma briga de gangues de rua sem que um interfira no barato do outro. Isto é Santo Amaro, uma cidade bipolar. A cidade pulsa cultura e exala poesia por todos os poros.



Sexta foi o dia do reencontro. Saímos à noite para Praça da Purificação onde jogamos conversa fora, ou dentro, no lendário Chapéu de Palha enquanto as crianças brincavam no jardim. O Chapéu é o bar mais antigo da cidade. Muitos estabelecimentos já abriram e fecharam suas portas, já foram moda e decadência e o Chapéu continua intacto, encravado no meio da principal praça da cidade. Desde 1967 ele é palco de paixões, canções, poemas, brigas, beijos, amores, violões, vidas e mortes. Um patrimônio do lugar.

Sábado pela manhã Márcio me convidou para comer uma feijoada na feira. Enquanto esperávamos o prato o maluco falou: -temos que escrever algo sobre a ingratidão. “Você esqueceu da água, da fonte que lhe nutriu”. Eu prontamente respondi: -“pongada na minha aba, seguiu o curso do rio...” E assim nasceu "Ingratidão". Letra e melodia(feita de boca) na mesa da barraca de feira, regada a feijoada e coca cola. Em casa no violão, acertamos os detalhes e fechamos a canção. Era hora de ir para a Pedra, visitar os amigos Humberto e Edna e o maravilhoso estabelecimento que eles tem por lá, o Solar da Pedra. Levamos a criançada e passamos o dia na piscina degustando umas geladas e a saborosa companhia dos anfitriões e da sua filha Ana Geórgia. Nada como a presença de amigos tão queridos para aflorar a sensibilidade e aumentar a inspiração.

À noite, após a cerimônia de formatura de alfabetização da impagável Flor, uma artista de 06 anos de idade, eu e Márcio voltamos sozinhos pro Chapéu. Lá falamos das nossas vidas, das nossas artes, dos nossos amores e desencontros. Lá também escrevemos "Pranto". Um poema a quatro mãos que aguarda uma melodia para virar música. Foi aí que chegou um grupo de pessoas de fora com um violão na mão. Nem precisava contar, afinal estávamos em Santo Amaro, mas o bar inteiro virou um único grupo abençoado pelas canções que Robson, Paschoal(estes do grupo de visitantes) e Márcio Valverde tocaram até quase quatro horas da manhã. Uma maravilha.

Hoje, ou melhor ontem pois já passa da meia-noite, fomos à praia de Itapema, passar o dia com os sogros de Márcio, Seo Raimundo e D. Naná. Mais cervejas, mais feijoadas, mais canções e amizades. Santo Amaro, me aguarde!

Com Márcio Valverde no lendário Chapéu de Palha
Na foto acima o famoso Solar de Biju onde
hoje funciona o Campus da Universidade estadual numa das esquinas da Praça da
Purificação em Santo Amaro-Ba.

2 comentários:

Anônimo disse...

A felicidade de ser seu amigo é toda minha.O final de semana foi antológico, o samba inesquecível. Sem os meus amigos-poetas, eu nada seria.
Márcio Valverde

Éverton Vidal Azevedo disse...

Muito bom o texto, muito bom ver como é que nascem cancoes inesquecíveis. Também vi a letra de Natasha e Letícia, que virou 'Horizonte Belo', muito bonita por sinal.

E que vontade de comer feijoada ahahaha!