QUERO VOLTAR PRA BAHIA
(Paulo Diniz/Odibar)
I don´t want to stay here
(Eu não quero ficar aqui)
I want to go back to Bahia
(Eu quero voltar pra Bahia)
Eu tenho andado tão só
Quem me olha nem me vê
Silêncio em meu violão
Nem eu mesmo sei porque
De repente ficou frio
Cadê o meu sol dourado?
Cadê as coisas do meu país?
I don´t want to stay here
I want to go back to Bahia
Via intelsat eu mando
Notícias minhas para o Pasquim
Beijos pra minha amada
Que tem saudades e pensa em mim
A viagem de volta foi um verdadeiro descalabro. Uma irresponsabilidade sem tamanho. Eu e Gatão devíamos ter sido multados em muitos e muitos reais para aprendermos a não mais arriscar a vida dos outros na estrada.
Já começa que eu tive a infeliz idéia de voltar pela BR 116 que cruza o estado de Minas Gerais. Queria que Gatão visse novas paisagens já que ele não conhecia. A estrada é muito pior de trafegar do que a BR 101, com muito mais curvas, estava em pior estado que a outra e o fluxo de caminhões é interminável.
Saímos de São Paulo às 7hs e lá pelas 11hs atravessávamos a fronteira do Rio com Minas. Se não estou enganado almoçamos em Juiz de Fora. Gatão tinha pressa de chegar a Salvador já que na segunda pela manhã tinha uma audiência na justiça do trabalho que não poderia faltar e começou a dar a idéia de não pararmos para dormir. Sugeriu que enquanto um dirigia outro cochilava ao lado. Não concordei. Achei muito arriscado. Poderíamos ser traídos pelo sono além do perigo que é a estrada à noite. Ele não desistia. Usava vários argumentos e não conseguia me convencer. Sem querer botar a culpa só nele, sei que a minha parcela é equivalente, foi muita insistência até que, no finalzinho da tarde, paramos para abastecer.
O posto estava cheio de caminhões. Foi quando Gatão teve a triste ideia: - Adriano! Sei como resolver nosso problema! Como é o nome daquilo que caminhoneiro toma para não dormir? – Arrebite. – Pois Vamos tomar isso daí. O cara desceu do carro e abordou um caminhoneiro que encontrava-se descansando na boléia. Fui atrás para conferir tamanha cara de pau. Ele perguntou como fazíamos para conseguir os tais remédios. O caminhoneiro não contente em nos indicar onde comprar, deu-nos uma cartela que continha quatro comprimidos junto com a receita: - Vocês dissolvem dois comprimidos numa dose de conhaque e bebem. Em seguida tomam um cafezinho. Acho que vai dar pra vocês virarem a noite sem precisar comprar mais.
Seguimos nossa viagem até por volta da 10hs da noite quando paramos para jantar. Tomamos os comprimidos. Pra mim foi um desastre. Quando virei o conhaque com os comprimidos dissolvidos quase boto tudo pra fora. Tive de me controlar para não vomitar. Imediatamente perdi a fome e não consegui comer nada. Gatão ainda jantou um pouco, mas vi que estava empurrando, comendo por obrigação. Não senti absolutamente nada na hora. Assumi novamente a direção e pegamos a estrada.
Meia hora depois comecei a sentir algo diferente. Uma coisa boa, uma euforia repentina. Perguntei a Gatão e ele disse estar sentido a mesma coisa. Deu uma vontade incontrolável de conversar aí abrimos a matraca descontroladamente. Sono nem pensar. Umas duas horas depois, eu já tava com vontade de tomar mais comprimidos. Sentindo nescessidade de reacender o barato. Preferi me calar, achei que Gatão reprovaria. Não demorou muito tempo e ele falou: - Adriano, o que você acha de tomarmos mais um? Concordei na hora. Tivemos que comprar mais já que tomamos de vez o que ganhamos. Foi muito fácil. O comércio de afetamina, principal substância dos chamados arrebites, rola solto nas estradas.
Aí foi um moto contínuo. Paramos várias vezes para tomar novas doses. Sempre dissolvido no conhaque. Não precisa falar que ficamos completamente embriagados. O pior é que não tínhamos consciência disso. Dirigi até Vitória da Conquista onde chegamos às 5hs da manhã. Não sei descrever o que estava sentindo mas estava completamente fora de mim. Ao mesmo tempo que sentia cansaço me sentia completamente desperto. A euforia deu lugar a um imenso vazio e derrepente não conseguia mais articular uma palavra sequer. Quando tentava falar parecia que a língua era maior do que a boca e não conseguia emitir nenhum som. Prostei catatônico no banco do carona enquanto Beto seguiu dirigindo e cantando músicas sem nenhum nexo.
Não sei como conseguimos chegar. Só pode ter sido obra de Deus. A verdade é que às 11hs da manhã do domingo desembarcamos na porta da casa de Gatão. D. Gracinha nos esperava com uma feijoada maravilhosa. Digo maravilhosa por conhecer o seu feijão, daquela porém nada consegui comer. Pelo menos já estava conseguindo falar. O efeito já começava a passar. Não me dando por satisfeito, sugeri tomarmos uma cerveja para comemorar a chegada. Depois de alguns copos, corri ao banheiro e botei o pouco que tinha no estômago pra fora. Gatão começou a falar coisas sem sentido. Fui para casa, precisava dormir. Nem tirei as bagagens do carro, fui direto pra cama sem banho sem nada. Fritei de um lado pra outro o resto do dia, a noite inteira até o amanhecer da segunda. Embora meu corpo estivesse dormindo, meus olhos continuavam abertos.
Foi uma experiência muito ruim, daquelas que nem devíamos provar. Não desejo a ninguém o que eu senti naquele dia. O pior de tudo é a ressaca moral. Pelo menos aprendi a lição e acho que Gatão também. Hoje quando lembramos damos muita risada, mas nada justifica nossa irresponsabilidade. Nada aconteceu mas poderia eu nem estar aqui pra contar essa história.
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