quinta-feira, 20 de setembro de 2007

QUANDO O DESTINO QUER...

Quando Evandro entrou em casa logo percebeu que havia algo diferente. Já fazia muitos anos que ele morava sozinho e conhecia cada canto do lugar, a milimétrica posição de cada objeto, nada escapava ao rigoroso crivo do seu jeito sistemático de ser. Extremamente organizado notou imediatamente que o telefone estava um pouco mais a direita do que de costume. Quando foi conferir, erá óbvio que alguem o afastara para dar passagem à mão e alcançar o fundo da mesinha. Logo viu que o fio estava desconectado da tomada. Como poderia alguém ter feito aquilo. Não havia nem um sinal de arrombamento. A porta e fechadura estavam intactos. Ninguém possuía uma cópia da chave, nem poderia, aquele era o seu mundo, seu porto seguro, não havia como compartilhar com outrem. Ficou um pouco amedrontado. Será que havia mais alguém em casa? O que estaria fazendo ali? Seria um assalto? Uma vingança? Os pensamentos fluíram desordenadamente e uma sensação de pânico invadiu o seu interior.

Naquele momento, ele lembrou os acontecimentos da noite anterior. Fizera algo horrível, desumano e talvez estivesse agora pagando por sua conduta deplorável. Atropelou um mendigo e se negou a dar socorro. Chegou a parar o carro, viu o corpo agonizante e ensanguentado do homem no chão. Quando imaginou a sujeira que seria no seu estofamento novinho, olhou ao redor e, àquela hora da madrugada, não havia uma viva testemunha do acontecido. Contudo, tal atitude lhe tirou a paz. Não houve um segundo sequer desde o acidente, que sua mente não ruminasse um remorso sem fim. Começou a ficar assustado. Teria alguma relação com estes fatos da noite anterior?

Ofegante, começou a examinar cada detalhe e percebeu outros claros sinais de que alguém esteve ou estava ali. Apurou a audição, nem um ruído. Restava o andar superior onde ficava seu quarto, o banheiro e a biblioteca, o lugar mais preservado da casa, pelo qual ele seria capaz de morrer. Teve medo de subir os degraus, nem podia imaginar o que o esperava. Sem outra alternativa, começou a subir. A cada degrau seu coração acelerava. Tinha a impressão que saltaria do peito. Primeiro o banheiro. Nada além da torneira que pingava lentamente. Devia ter consertado o vazamento, pensou. No quarto outro sinal. O telefone da cabeceira também havia sido desligado. De resto tudo normal. A essa altura, o coração parecia furar-lhe o peitoral, tamanha a força e velocidade dos batimentos. Uma dor aguda começou a tomar-lhe o braço esquerdo projetando-se levemente para o peito. A respiração ficou mais difícil, faltava-lhe ar. Com as poucas forças que restavam, arrastou-se até a biblioteca. Ao entrar, olhando as estantes vazias, nenhum livro sequer, o que acontecera? Quem roubaria um monte de livros velhos? Para ele, era sua maior fortuna. Foi aí que a dor ficou insuportável, como se alguém batesse em seu peito com muita força. Perdeu os sentidos e desmaiou.

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