quarta-feira, 5 de setembro de 2007

“PEGA NO TOMBA” – Fazendo Novos Amigos

Às 4:30hs da manhã na praça da concentração

É Tão Bom
(Luiz Caldas)

É tão bom
Quando a gente se entrega a beleza
Se sente em total realeza
Com a natureza e o amor...



Fazer novos amigos é uma beleza. Para isto, é preciso estar de peito aberto, livre de preconceitos e, às vezes, se meter em aventuras inenarráveis. Contudo, corajoso que sou, vou tentar narrar a viagem que fiz em 26 de agosto passado, para um vilarejo por nome Pedras Altas. Era a Festa do Vaqueiro que se realiza todo ano, da qual quase nada vi, já que no ponto alto da festa, dormia profundamente no passeio interno da casa onde fizemos nosso ponto de apoio e, provavelmente, roncava muito, rodeado por uma infinidade de garrafas de cervejas vazias, que a turma pôs ao meu lado de sacanagem, para fotografar e filmar meu vexame.

O convite partiu de Erenilson, um colega de trabalho cuja família mora em Feira de Santana, no bairro do Tomba. Seus pais são de Pedras Altas e até hoje mantêm uma casa na cidade que fica a aproximadamente 280km de Salvador e 170km de Feira. A estrada é a mesma que leva à Juazeiro da Bahia, fronteira com Petrolina-Pe, onde morei dos 05 aos 07 anos. Não lembrava quase nada da região mesmo tendo passado por lá na época que trabalhei viajando com bandas de forró e desbravei todo o interior da Bahia. Desta forma, pouco se conhece de onde se passa. Fazia muito tempo Erenilson insistia na minha ida. Resolvi aceitar o convite. A coisa funciona da seguinte forma. Um grupo de aproximadamente trinta amigos faz a vaquinha para bancar a viagem. Aluguel de ônibus, carne para o churrasco, um panelão de feijoada, a cerveja e o gelo. Tudo com muita fartura. Uma pechincha, tudo isto por R$ 30,00 para cada um.

Saí de Salvador de buzu no sábado, 25/08, descendo em Feira de Santana por volta das 10:40hs. Erenilson já me esperava na rodoviária com dois amigos, Feitosa e Dõe. De lá, fomos direto ao Centro de Abastecimento da cidade. Não sei se já comentei por aqui, mas adoro feiras, mercados, etc. É uma forma muito gostosa de interagir com o povo e a cultura de cada lugar. Primeiro paramos na barraca de Tia Nita. Uma velhinha de pelo menos 85 anos que, a cada garrafa que serve ao freguês surrupia um copinho e bebe com cara de imenso prazer, uma figura. Passeamos pelo Centro parando de bar em bar até chegar a um box-restaurante, onde degustamos um maravilhoso carneiro guarnecido com cuscuz de milho. De lá para o Tomba, continuando a via crucis pelos bares do bairro, até parar na mesa de sinuca onde o viciado Erenilson tratou de garantir nossas geladas através das tacadas certeiras, Aquela altura, não sei como ele conseguia jogar, já que o copo não deu conta de manter em pé. Animado pelas vitórias e pelos efeitos do álcool, derrubou-o no chão. Lembrei um e-mail de humor negro que certa feita recebi, onde dizia que era melhor ter mal de Alzeimer que de Parkison, haja vista ser melhor esquecer de pagar a conta que derrubar a cerveja. Erenilson concorda plenamente. Jantamos uma rabada em outro barzinho e fomos pra casa descansar os esqueletos para a jornada do dia seguinte.

Foi então que tive uma visão assustadora. Pensei que havia morrido e chegado ao inferno onde o Capeta me ordenou o pior dos castigos. Eram 4hs da manhã quando levantei ainda tonto e baratinado pelo sono. Ouvi uma zoada estranha, fiquei angustiado naquele escuro, num lugar que nunca havia visto antes. Levou um certo tempo até descobrir onde estava e que a tal zoada era, na verdade, o chuveiro onde Erenilson tomava seu banho. Quase corri desesperado quando a figura saiu nu do banheiro. Uma visão de terror, digna de haloween. Nervos abrandados, banhei-me também, vesti a roupa e saímos às 4:30hs para a concentração da viagem. Primeiros fomos a casa de Miguel, o tesoureiro, cozinheiro e churrasqueiro da turma e único abstêmio. Lá fizemos o desjejum com um delicioso e forte caldo de feijão. Aprovei o cozinheiro na hora. Lá também se encontrava o imenso isopor abastecido de gelo e latinhas. Era o único lugar seguro para guardá-lo. O resto da turma daria uma baixa com certeza em tão precioso conteúdo. Ajudamos Miguel a levar os bagulhos para a praça. Nesta altura o ônibus já nos esperava. Começaram a chegar os amigos do meu amigo. Alguns eu já havia conhecido no dia anterior, outros estava vendo pela primeira vez ali mesmo. Sei que não lembrarei todos os nomes, mas vamos tentar: Guaxinim, Tenente Pão Com Bufa, Feitosa, João Caruru, Caetano, Zé Braz, Tonho, Nêgo, Hugo, Tião e o filho Adriano, Júnior e o filho Felipe, Zé Pernambuco, Correia, Biro Biro, Paulo, Neto, Professor Embola Roda, Chico de Amália(…”Eu vou pra Maracangalha…”) e tantos outros cuja amnésia alcóolica não me permite lembrar. Desculpem àqueles que ficaram fora desta lista podem crer que estão no coração. Feitosa, de sacanagem, trouxe um coco gelado cujo conteúdo era 10% de água e o restante de cachaça. Saiu oferecendo a todos e alguns, uns desavisados como eu, outros por puro prazer, aceitaram a oferta e sofreram mais tarde as devidas consequências.

A turma na concentração às 6hs da Manhã. Miguel com a camisa do Bahia e Erenilson Rosa, o anfitrião, de camisa Rosa. Ai meu Deus!!!

A viagem começou da mesma forma que terminou. No maior clima de festa com a percussão comendo no centro na cozinha, sambas e sambas cantados por vozes apaixonadas, nem sempre afinadas, brincadeiras gostosas entre amigos que se dão bem e se respeitam embora quem venha de fora e não conheça a tradição do lugar, pode até se assustar com as trocas de amabilidades. Um pit stop tático no meio da viagem garante o término do café da manhã. Uma farofa de carne típica de posto de beira de estrada da Bahia. Chegando a Pedras Altas, bota-se o feijão pra ferver na casa dos pais de Erenilson, improvisa-se uma churrasqueira de blocos no fundo do quintal e parte-se para rodar a cidade, ver os desfiles de cavalos, visitar a represa, banhar-se nas águas geladas e renovadoras do Rio Jacuípe, paquerar as belas meninas vestidas ao estilo dos rodeios, cantar, dançar e beber. Apenas Miguel ficou em casa tomando conta do rango e da churrasqueira. Não pensem que ele se importa, esta é a sua diversão. Seu semblante transparece o imenso prazer que sente com sua função.



Na volta pra casa, o churrasco já rola a pleno vapor assim como a feijoada. A fartura é tanta que além de toda a excursão, várias pessoas da cidade e parentes dos anfitriões, filam a bóia na casa pequena, cujo coração não caberia neste texto de tão grande que é. É óbvio que depois de toda esta esbórnia, muitos, assim como eu, tiram sua madorninha depois do almoço. Estes sofrem nas lentes das máquinas e do câmera-man, especialmente contratado para registrar a viagem. Uma vez acordados, outro banho no Jacuípe renova todas as energias para a jornada da volta.

Foi uma delícia participar deste grupo, conhecer aquelas pessoas. Se Deus me der vida e saúde, quero voltar no próximo ano. Pois, se por acaso seu carro não pegar, bote no tombo. Se mesmo assim não der, passe no Tomba que ele pega.



Glossário Regionalista:
Vaquinha:
Reunião de dinheiro dado por diversos amigos com a finalidade de suprir alguma despesa.
Buzu: Ônibus.
Cuscuz: Espécie de bolo feito de fubá de milho com sal e liga de goma de tapioca cozido no vapor. Totalmente diferente do que se chama de cuscuz no sudoeste e sul do país.
Bagulhos: tralhas, bagagem.
Cozinha: Fundo do ônibus.
Amabilidades: Excluído o significado formal, forma irônica de ofensas.
Rango: Comida.
Filar a bóia: Comer de graça.
Pegar no Tombo: Botar o carro para pegar ao ser empurrado ao tempo em que solta-se a embreagem e acelera-se. Algumas regiões falam "pegar no tranco".

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