Na manhã de 01 de maio de 1994, eu acordei muito mal. Não sei se pela ressaca da farra homérica da véspera ou se pela TPA. É isso mesmo, TPA. Ou seja, tensão pré aniversário. Nunca consegui entender, mas desde os meus vinte anos, sempre sinto uma depressão profunda nos dias que antecedem à data do meu nascimento. Foi assim naquele dia. Parece até que eu estava prevendo os acontecimentos desastrosos que estavam por vir. Perderia naquela data, meu maior ídolo e um bom amigo.
Como na segunda-feira era meu aniversário, resolvi ir pra Santo Amaro passar o dia com meus pais, abdicando até da minha maior paixão da época, a fórmula 1. Eu era um fanático pelo esporte. Desde criança, ficava aos domingos pregado na televisão assistindo às corridas. Era uma obsessão, uma coisa inexplicável. Lembro que Nelson Piquet era o meu maior ídolo, que merda! Até aparecer um cara que mudaria minha vida para sempre, Ayrton Senna.
Hoje estou lendo a biografia de Senna, escrita por Ernesto Rodrigues, “Ayrton, O Herói Revelado”. Sabe quando você come uma coisa deliciosa aos pouquinhos para evitar que acabe logo? É o que estou fazendo com este livro. São mais de seiscentas páginas e não consegui ainda passar da quinhentos, de tanto que volto para reler trechos e trechos. Para mim é como se um filme retratasse à minha infância, adolescência e o início do meu adultério, ou melhor, da fase adulta. Acho que o título, assim como sugere, retrata todo o conteúdo do livro. Uma revelação. Ayrton Senna sem máscaras, sem o endeusamento que lhe dedicava, sem nada. Simplesmente Ayrton Senna. Um ser humano mortal como todos nós, cheio de defeitos e qualidades como qualquer um.
As páginas deste livro fizeram-me lembrar daquele domingo e do meu amigo Capeto. Morreu sozinho em seu apartamento, no mesmo dia, sem uma multidão de admiradores para sofrerem por ele. Conheci Capeto muito pouco, mas trago dele as melhores lembranças. Era mecânico de Cícero Menezes, um quase irmão. Amigo daqueles que, se tivesse a língua solta, poria no lixo toda minha reputação, se é que ela existe. Cícero adorava Capeto e, por causa dele, acabei gostando muito do cara. Lembro que, em vez de parabéns, Cícero disse: - Cara, você sabe quem morreu? Prontamente respondi: - Ayrton Sena! – Não, Capeto! Desmoronei. Vale lembrar que, no dia seguinte, Cícero faria mais um ano de vida. A tristeza era a sua cara. Ontem, por sinal, estávamos juntos e felizes. Rodeado por amigos queridos e maravilhosos. Gal, Stela, Márcio, Paula, Paulo, Ruy, Dengo, se é que consigo lembrar de todos. Ainda bem! Não fosse assim, Gal daria uma de Cristina Nicolloti, e mandaría-me tomar no cu! Desculpe amiga!
Na estrada, ouvindo o rádio do carro, pela primeira vez tive notícia do acidente de Senna. Acostumado que estava de ver tantas batidas e capotadas sem nada de mais grave, não dei a menor importância. Cheguei em Santo Amaro como se nada tivesse acontecido. Nunca esqueço da hora que Júnior, o filho de um vizinho que só andava lá em casa, entrou na cozinha e falou pra meu pai: - Capitão, Ayrton Senna morreu! Na mesma hora corri e liguei a televisão para atestar, infelizmente, a veracidade da notícia. Morreu ali também, um pedaço de mim. Lembro que fui pro banheiro e, escondido de todos e até de mim mesmo, chorei copiosamente. Gostaria de apagar esta data da minha memória, da minha vida. Isso nunca vai acontecer. Que Edmundo, o dono do livro, nunca leia este texto. Assim descobrirá que jamais o devolverei. Aliás, como diria meu amigo João Teixeira, “burro é quem empresta um livro, mais burro ainda é quem devolve”.
Se não acreditasse na reencarnação, desejaria pra Senna o melhor lugar do céu. Como acho que ele já está entre nós e, de alguma forma, ainda nos dará grandes alegrias, quero parabenizá-lo por uma coisa bem banal. Simplesmente por ele existir e ser o Ayrton Senna de nossos domingos. Eduardo Souto Neto, em dia de grande inspiração, compôs um tema que marcou nossos domingos e nossas vidas. O “Tema da Vitória”. Magistralmente executado pelo Roupa Nova. Sem Senna porém, nunca será o mesmo. Felipe Massa que me desculpe, e olhe que adoro o cara!
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