Naquele domingo na ilha, entusiasmados que estávamos pelos efeitos do álcool, eu e Gatão combinamos todos os detalhes da viagem, até a data da ida e da volta. O pior é que seguimos à risca nossos planos. Nem tão à risca assim, já que alguns contratempos inesperados aconteceram. Não sei precisar datas, mas lembro que combinamos a viagem para menos de um mês a frente daquele dia, e que passaríamos, aproximadamente, uma semana por lá.
Sairíamos de Salvador bem cedo para chegar à Vitória-ES perto da meia-noite, dormir por lá, e seguir a viagem chegando a São Paulo no dia seguinte. Aí aconteceu o primeiro imprevisto. Eu que conhecia bem a estrada, sugeri irmos pela BR 101. Menos movimentada e seguindo pelo litoral passando dentro do Rio de Janeiro. Usamos um atalho não muito convencional, mas reduzia a viagem em aproximadamente 100 km. Pegamos o primeiro ferry-boat, às 6hs da manhã, atravessamos para Itaparica e, às 7hs, pegamos estrada na ilha com destino a Nazaré das Farinhas. Lá, em vez de pegar a BR, seguimos por uma estrada estadual que atravessa o que chamamos aqui, de Costa do Dendê. São as cidades litorâneas da região onde o azeite de dendê é largamente produzido e cuja beleza não há como descrever. Hoje não sei como está, mas na época, recentemente reformada, parecia um tapete vermelho e muito bem sinalizada. Passamos pelas cidades de Valença, Nilo Peçanha, Taperoá, dentre outras. Chegamos a 101 pela altura de Gandu. Embora bem mais velho do que eu, Gatão não tinha muita experiência em dirigir na estrada. Aquela então, extremamente sinuosa, cheia de curvas e subidas, era novidade pra ele. Fui dirigindo neste trecho e passando as dicas de como enfrentar tais dificuldades. Já tínhamos passado de Itabuna, a mais ou menos 400 km de Salvador, quando paramos para almoçar. O cardápio? Uma farofa de frango que levamos, feita por dona Gracinha, acompanhada de uma porção de arroz que pedimos no restaurante do posto, além de uma cerveja para relaxar. Vale ressaltar que nós, dois fumantes inveterados, Gatão graças a Deus não padece mais deste problema, tínhamos uma térmica no carro abastecida de café, além de um pacote de Carlton. Perdemos uns três anos das nossas vidas nesta viagem, de tanto que tomamos café e fumamos. Até hoje, quando me vê fumando, Gatão fala: - Deixa eu cheirar essa maconha! Aí pega o cigarro aceso, encosta perto do nariz, faz uma cara de intenso prazer, e devolve o miserável pra mim.
Depois do almoço, por causa do sono que normalmente sinto, passei a direção pra ele no intuito de dormir um pouco. Ledo engano. Quase tive um filho, tamanha a barbeiragem de Gatão. Já na 101, uma estrada muito mais fácil do que a estadual que estávamos, porém bem mais movimentada, o cara parecia estar num carro de auto-escola. Dirigia com pé de isopor. Não que eu goste de correr, mas entrar numa curva de auto-estrada e reduzir para 20 ou 30 km/h é uma temeridade. Quem vem de lá ou atrás, não imagina nunca que isto vai acontecer e pode, a qualquer momento, lhe atropelar sem sentir. Tive de pegar a direção novamente para mostrá-lo como proceder. Até hoje ele fala que fui eu quem o ensinou a dirigir na estrada. Acabou que não dormi nada e fiquei na direção até a divisa com o Espírito Santo. Faltando uns 2 km para entrarmos no outro estado, um pneu do fundo estourou. Parei no acostamento para trocar o pneu. O macaco, que tinha sido normalmente usado dois dias atrás, não subiu. A rosca aluiu. Como Deus estava do nosso lado, era só atravessar a estrada e tínhamos um posto com borracharia. Ele ficou no carro e fui buscar o borracheiro que veio nos acudir com um macaco jacaré. A noite começava a cair.
Trocado o pneu, fomos até o posto comprar um macaco que o borracheiro disse ter pra vender. Acontece que o cara, explorando nossa situação, queria uma fortuna pelo equipamento. Eu tava até inclinado a ceder, mas Gatão não deixou. Restava à alternativa de comprar um em São Matheus, a primeira cidade do Espírito Santo. Acontece que, quando chegamos lá, mais de sete horas da noite, o comércio já estava completamente fechado. Decidimos parar. Seguir viagem sem um macaco seria muito arriscado. Vai que furasse outro pneu em plena noite? Ficaríamos largados no meio da estrada.
Ficamos num hotelzinho barato, porém muito aconchegante. Depois de jantar, fomos para o quarto e tomamos banho para dormir. Vale lembrar que não tinha banheiro no quarto. Era coletivo e servia a todos os apartamentos do corredor. Gatão ligou o que ele mesmo chamava de consola corno. Um radinho de pilha AM que foi nosso companheiro de sono.
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