terça-feira, 17 de junho de 2008

"PUXA UM BANCO E SENTA" - Roda de Chimarrão

Publicada em 23 de abril de 2007 nos marcadores Textos e Turismo

Roda de Chimarrão

(Kleiton e Kledir)

Esquentei a água no fogareiro do boitatá
tô cevando um mate com erva boa da barbaquá.
E vâmo charlando e contando causos que "já lá vão",
é o sabor do pampa, de boca em boca, de mão em mão.

Acendi uma vela, que é pro negrinho nos ajudar,
a encontrar as estórias, porque a memória pode falhar.
E sabedoria é fechar o amargo e viver em paz,
mate e cara alegre, porque o resto a gente faz.

Puxa um banco e senta que tá na hora do chimarrão,
é o sabor do pampa de boca em boca, de mão em mão.
Puxa um banco e senta vem cá pra roda de chimarrão,
vem aquece a goela e de inhapa a alma e o coração.

Dizem que não presta mijar cruzado pois dá azar,
se grudou os cachorro só água fria pra separar.
Diz que palma benta, pra trovoada, é o melhor que há,
e se assobiar o minuano, é certo que vai clarear.

Minha avó me disse que andar descalço dá mijacão,
cavalo enfrenado na lua nova fica babão.
Com passarinheiro e mulher sardenta é bom se cuidar,
e quem vai depressa demais, a alma fica pra trás.

Puxa um banco e senta que tá na hora do chimarrão,
é o sabor do pampa de boca em boca, de mão em mão.
Puxa um banco e senta vem cá pra roda de chimarrão,
vem aquece a goela e de inhapa a alma e o coração.

O melhor pra tosse é cataplasma e chá de saião,
pra acabar com a gripe só sabugueiro ou então limão.
Pra curar berruga é benzer pra estrela e invocar Jesus,
contra mau olhado, um galho de arruda e o sinal da cruz.

Chá de quebra pedra, ipê, arnica e canela em pó,
hortelã, marmelo, marcela, boldo e capim cidró.
Tudo tem remédio: churriu, cobreiro e má digestão,
só pra dor de amor é que não tem jeito nem solução.

Puxa um banco e senta que tá na hora do chimarrão,
é o sabor do pampa de boca em boca, de mão em mão.
Puxa um banco e senta vem cá pra roda de chimarrão,
vem aquece a goela e de inhapa a alma e o coração.


Costumo falar que para conhecer bem uma cidade ou estado ou um país, é necessário conhecer o seu povo, suas tradições, sua cultura e, se possível, sua história. Por isso, quando viajo para um lugar pela primeira vez, procuro por em prática tais convicções. Começo sempre por andar nas ruas, conversar com os nativos, pegar ônibus coletivo, trem, visitar mercados públicos, feiras, museus, casas de cultura, tudo isto é um excelente começo. Interagir, esta é a palavra, é fundamental. Ficar visitando pontos turísticos vai com certeza engrossar o seu álbum de fotografias, mas jamais fazê-lo conhecer bem um lugar.

Mesmo antes de conhecer o Rio Grande do Sul, tinha muita curiosidade pra entender o chimarrão e toda a tradição que ele carrega. Descobri então que tomar o mate vai muito além de saborear um chá, tem todo um ritual em torno dele, que deve ser seguido à risca se você pretende de verdade mergulhar no âmago deste costume.

Tomar chimarrão é como beber, pra quem gosta é muito bom fazer sozinho, porém, com amigos a volta, a prosa rolando solta, é muito melhor. Este é um dos elementos que mais me agradam nesse costume, a famosa Roda de Chimarrão. Uma comunidade em confraternização, onde as pessoas interagem de maneira fraterna, aproximam-se mais, estreitando laços de amizade e companheirismo.

A roda de chimarrão tem suas regras e mandamentos, que pra alguns pode parecer frescura, mas, na verdade, são fundamentais para o bom desenrolar da confraternização. Em primeiro lugar é preciso saber preparar o mate o que é sempre feito pelo anfitrião. Põe-se a água no fogo enquanto prepara-se a cuia, o que se chama de cevar o mate. Enche-se aproximadamente de 60 a 70% da cuia com a erva. Veda-se a parte superior da cuia com a palma da mão inclinando-a de modo que a erva concentre-se num único lado. Mantendo a inclinação levemente despeje água morna ou fria no lado da cuia onde não há erva. Deixe inclinado até que a erva absorva a água. Isto dará sustentação à erva, de modo que, ao por a cuia de pé, ela mantenha-se apenas de um lado. Esquente a água até que a fervura esteja próxima. Nunca deixe a água ferver. O momento certo de desligar o fogo é quando começar a ouvir um chiado proveniente da chaleira. Despeje água no lado vazio da cuia até completá-la. Verifique se não há entupimento na bomba soprando-a. Vede a boca da bomba com o dedo polegar e introduza-a com a face do círculo inferior paralela à erva. Rode a bomba fixando a ponta num dos cantos até que fique firme (verifique como fica o mate montado na ilustração acima). Caso a água desça quando retirar o dedo da bomba, ele está pronto para ser saboreado. Se isto não acontecer, é bem provável que a bomba tenha entupido e aí será preciso muita habilidade para recuperá-lo. Na maioria das vezes não dá certo. Já vi muito gaúcho especialista desistindo de tal intento.

Neste momento o anfitrião vai se servir da primeira cuia. Isto, ao contrário do que possa parecer, é um ato de educação e deferência. A primeira cuia é a pior de todas. A mais amarga, a que mais contem a poeira da erva, uma vez que esta ainda não absorveu bem a água. Algumas pessoas inclusive, este é o meu caso, não engolem a primeira água. Puxam e cospem-na, tomando apenas da segunda vez em diante. Após tomada a primeira cuia, o anfitrião enche-a novamente e passa para a pessoa ao seu lado. Esta terá que tomá-la toda, devolver ao anfitrião para que ele torne a encher e passe para o próximo. Este ritual se repete em moto-contínuo, sempre respeitando a ordem dos participantes. Jamais tome pela metade, deve-se tomar toda a água até roncar quando se puxa, jamias peça um gole de quem estiver com a cuia na mão, mexa na posição da bomba ou solicite açúcar. São erros imperdoáveis pra quem leva a sério a tradição.

Neste passa-passa a conversa rola solta. Os mais variados assuntos são abordados, dos mais fúteis aos mais eruditos. As pessoas se soltam deixando-se levar pela delícia do mate e da confraternização.

Engana-se quem pensa que chimarrão é bebida de frio. Em algumas regiões do sul, determinadas épocas do ano, o calor chega a ser mais escaldante que o nordestino, mas o prazer de tomar o mate é o mesmo. Claro que, como é uma bebida ingerida na mais alta temperatura suportável, ela aquece o corpo e as idéias. Por isso se for convidado não se faça de rogado. Puxa um banco e senta!

Regionalismos Gaúchos

Boitatá: Fogo-fátuo. Vem do Guarani, mboi, cobra e cobra de fogo. É uma emanação de hidrogênio fosforado, muito leve, que tende a seguir o cavaleiro que viaja à noite obedecendo ao deslocamento de ar que o mesmo produz.
Cevando Um Mate: Preparando o chimarrão.
Barbaquá: Tipo de forno utilizado para a secagem da erva mate.
Charlando: Conversando, palestrando.
Causos: Estórias.
Já Lá Vão: De muito tempo, antigos.
Pampa: Denominação dada às vastas planícies do Rio Grande do Sul e dos países do Prata.
Negrinho: Referência ao Negrinho do Pastoreio. Reza a lenda que era um escravo de cor que tornou-se uma espécie de anjo bom dos pampas que ajuda as pessoas a encontrarem coisas perdidas.
Fechar o Amargo: Preparar o mate.
De Inhapa: De quebra, de brinde.
Minuano: Vento frio e seco que sopra do sudoeste no inverno.
Mijacão: Tumor ou abcesso que aparece na sola dos pés de quem costuma andar descalço.
Cavalo Enfrenado: Cavalo cujos freios foram colocados na boca.
Passarinheiro: Diz-se do animal de montaria que, andando na estrada, se assusta com qualquer coisa, priscando para os lados.
Churriu: Dor de barriga, diarréia.
Cobreiro: Erupção que se alastra pela pele.

Fontes de Pesquisa: Minidicionário Guasca (Gaúchês) de Zeno Cardoso Nunes e Rui Cardoso Nunes. Editora Martins Livreiro, 1986 e a convivência com o povo gaúcho.

8 comentários:

Tata - A Moderninha disse...

adorei o post.

Aliás eu sou louca para morar lá nas bandas do Sul tchê!!!!..rsrs

Rico, saudade de seus textos. Estou aqui fazendo sinal de fumaça para mostrar que não esqueço do seu pedacinho.

beijo no coração

Depois vou te enviar umas fotos de Curitiba

Éverton Vidal Azevedo disse...

Muito bom! Aprendi demais. O "rito" do chimarrao tem suas semelhanças com o "tereré" do Mato Grosso do Sul nao é?

Outra coisa que eu gostei foi da explicaçao do Boitatá que eu nao conhecia. Isso também tem lá no Norte.

Abraço!

Gabriella Bontempo disse...

Muito legal.
Me diverti pra caramba!

Parabéns pelo blog!

Abs

Ana Maria disse...

Que bom vir aqui e encontrar essa informação sobre nossos amigos gaúchos.
Tudo bem com você?
Gosto de te visitar.
Beijinhos carinhosos!

Jacinta Dantas disse...

Caramba!
agora você me faz voltar a minha adolescência, meus 16,17 anos, quando, em companhia de um velho simpático, tomava chimarrão. Na época, ele me contratou para "datilografar" seus manuscritos, que depois virou livro. O mais engraçado é que, o que eu apreciava mesmo era a companhia e o papo que, invariavelmente girava em torno de Santa Catarina, cidade onde ele nasceu. Agora senti saudade dele que já se foi a mais de 15 anos.

Lorena disse...

Ai, que vontade!! Eu adoro tereré, confesso que não sigo todos os ritos necessários, até gosto da primeira água... Mas chimarrão eu não sei, acho que nunca provei. Vou aproveitar que aqui tá um frio de lascar e experimentar água quente no lugar da água gelada no meu tereré, e fazer ele ficar parecido com chimarrão! =)

beijos!

Denis Barbosa Cacique disse...

Amigão, sempre tive a curiosidade de experimentar o tal do chimarrão. E não é que detestei!?! ahahah
Vai ver é que faltou o ritual!!

Agora fiquei com essa música na cabeça!!

Gde abraço

Denis

Ana Casanova disse...

Meu querido, como imaginas para mim tudo isto é novidade e tive que ler com muita atenção.
Obrigada pelo mini dicionário! Achei muito giro!
Um beijo enorme e um xi-coração bem apertadinho desta amiga que te ADORA!!!