Publicada em 26 de abril de 2007 no marcador Textos
Só quando desci do carro descobri que Jô segurava uma banda de bode. Este foi o cardápio do carnaval. Bode assado, bode frito, bode ensopado, farofa de bode, bode de tudo que é jeito. Pra mim que adoro foi tudo de bom, mas se alguém ali não gostava da iguaria, se deu mal. Na verdade quase que só fazíamos uma refeição por dia, o café da manhã, já que passávamos a maior parte do tempo na rua. Dormíamos sempre muito tarde mas eu e Jô acordávamos cedo e dávamos conta do almoço, ou café da manhã se preferirem..
Depois dos cumprimentos, matadas as saudades, fomos apresentados a Mersinho, Emerson. Primo de Jô que também filava* a hospedagem e alimentação no carnaval. Uma figura esse cara. Aprontou todas. Não deixava ninguém dormir direito já que chegava lavado** no meio da madrugada e ficava feito Zumbi perambulando pela casa. Cada dia aparecia com uma namorada diferente e, por causa dele, Aninha e Jô quase brigaram feio. Uma certa manhã, apareceram quatro mulheres muito interessantes procurando por ele. Se não estou enganado eram maranhenses que passavam o carnaval por lá e estavam hospedadas perto da casa de Josildo. Na noite anterior conheceram Mersinho em Olinda. Este que morto de ressaca ainda não tinha levantado, não foi atendê-las. Jô, um sujeito muito educado, ficou cheio de atenções e deferências para com as donzelas. Aninha não gostou nada daquilo e tratou de botar as moçoilas pra correrem dando um corretivo em nosso amigo.
Arriadas as malas, fomos ao banho enquanto Jô botava um bodinho pra fritar. Na vitrola, a todo volume, Virado Num Paletó Veio, o primeiro cd do cara. Puro forró, um pé de serra de primeira com elementos da música eletrônica. Ouvimos o disco todos os dias o tempo inteiro que estávamos em casa. Antes de botar o pé no frevo, a galera dançava muito forró. Digo a galera mas não posso esquecer de excluir-me já que não danço absolutamente nada.
A nossa rotina era sempre a mesma. Acordávamos, batíamos um prato*** de bode a alguma coisa, destampávamos a primeira de uma interminável sucessão de garrafas de loiras geladas intercaladas por goles de branquinha**** com caju, Virado rolando no som até que lá pelas 15hs íamos pra Olinda e só voltávamos madrugada adentro. Eu que nunca fui chegado a carnaval, tirando os que trabalhei sempre fugi dos carnavais de Salvador, amei o de Olinda. Pela beleza plástica, pela verdadeira manifestação popular, os bonecos, as ladeiras da cidade encantadora que, por sinal, já conhecia. Embora muito cheia, nem de longe se compara a confusão e ao aperto que rola no carnaval da Bahia. Fiquei encantado de ver os blocos e cordões de Olinda. Tudo feito pelo povo pobre que extravasa as tensões do dia-a-dia, em poucos dias de muita alegria. Claro que hoje existem diversas instituições que apóiam tal iniciativa, mas, com certeza, muita gente ainda gasta do pouco que ganha para fazer aqueles bonecos e fantasias. Muito lindo! E o frevo? Um ritmo contagiante, uma dança muito bonita. Tentei ensaiar uns passos mas o desastre foi total.
Outra coisa que me chamou a atenção, foi o fato de não ter visto uma briga sequer durante a festa. Óbvio que deve rolar, afinal com tanta gente reunida num mesmo lugar e os ânimos alterados pelo excesso de álccol, é impossível conter uma confusão. No entanto demos sorte e não vimos nenhuma. Tudo transcorreu na mais profunda paz e harmonia. Guerra mesmo só a de água. Um tradição por lá. As pessoas ficam atirando jatos d´água nas outras com uma pistolinha plástica vendidas aos montes pelos ambulantes. Dizem até, que quando se atira em alguem, está se demonstrando interesse pela pessoa. Acho que isso não é verdade, tantos foram os jatos que recebi de verdadeiros aviões. Não acredito que aquelas gatas tivessem interessadas em mim. Ainda mais que estava acompanhado da infalível marcação de Cynthia.
Na segunda quebramos a rotina. Muito cansados das farras dos últimos três dias, resolvemos não ir pra Olinda e fomos à praia, ali mesmo na Boa Viagem, pertinho de casa. Como sempre já saímos calibrados e demos continuidade na beira do mar. Aí me passa um tal de Roberto vendendo caldinho. Tinha de vários sabores e estranhei o fato dele colocar um ovo de codorna dentro do copo. Cynthia, exagerada como sempre, tomou vários comendo todos os ovinhos. Toda hora gritava: - Roberto, vem cá! Juntando com as roscas e os incontáveis copos de cerveja, o resultado não foi nada bom. A noite, no Recife Velho, em pleno show de Geraldo Azevedo, ela passou mal, dizia que ía morrer. Fomos para um ambiente mais arejado, longe da multidão e ela melhorou um pouco. No entanto não quis mais ficar na rua. Deixamos o carro com os meninos e voltamos pra casa de taxi. Eu não acertaria chegar.
Voltamos à Olinda na terça. Antes de sair de casa aconselhei Josildo a não levar a garrafinha de cachaça que levávamos todos os dias para bebericar entre uma cerveja e outra: - A gente já bebeu demais neste carnaval, amanhã vou pegar a estrada e preciso acordar inteiro. Prontamente ele concordou comigo e não falamos mais nisto. Por volta das 18hs, lá em Olinda, animado por uma série de loirinhas geladíssimas, chamei Jô nun canto e disse: - Já tô arrependido de ter te dado aquele conselho, um gole da branquinha agora ía cair bem. De imediato ele falou: - Quem disse que ouvi seu conselho? enquanto sacava do bolso a bendita garrafa responsável pela ressaca que me acompanhou durante os 800kms que separam Recife de Salvador. Foram inesquecíveis aqueles dias, morro de saudades deste carnaval.
Só quando desci do carro descobri que Jô segurava uma banda de bode. Este foi o cardápio do carnaval. Bode assado, bode frito, bode ensopado, farofa de bode, bode de tudo que é jeito. Pra mim que adoro foi tudo de bom, mas se alguém ali não gostava da iguaria, se deu mal. Na verdade quase que só fazíamos uma refeição por dia, o café da manhã, já que passávamos a maior parte do tempo na rua. Dormíamos sempre muito tarde mas eu e Jô acordávamos cedo e dávamos conta do almoço, ou café da manhã se preferirem..
Depois dos cumprimentos, matadas as saudades, fomos apresentados a Mersinho, Emerson. Primo de Jô que também filava* a hospedagem e alimentação no carnaval. Uma figura esse cara. Aprontou todas. Não deixava ninguém dormir direito já que chegava lavado** no meio da madrugada e ficava feito Zumbi perambulando pela casa. Cada dia aparecia com uma namorada diferente e, por causa dele, Aninha e Jô quase brigaram feio. Uma certa manhã, apareceram quatro mulheres muito interessantes procurando por ele. Se não estou enganado eram maranhenses que passavam o carnaval por lá e estavam hospedadas perto da casa de Josildo. Na noite anterior conheceram Mersinho em Olinda. Este que morto de ressaca ainda não tinha levantado, não foi atendê-las. Jô, um sujeito muito educado, ficou cheio de atenções e deferências para com as donzelas. Aninha não gostou nada daquilo e tratou de botar as moçoilas pra correrem dando um corretivo em nosso amigo.
Arriadas as malas, fomos ao banho enquanto Jô botava um bodinho pra fritar. Na vitrola, a todo volume, Virado Num Paletó Veio, o primeiro cd do cara. Puro forró, um pé de serra de primeira com elementos da música eletrônica. Ouvimos o disco todos os dias o tempo inteiro que estávamos em casa. Antes de botar o pé no frevo, a galera dançava muito forró. Digo a galera mas não posso esquecer de excluir-me já que não danço absolutamente nada.
A nossa rotina era sempre a mesma. Acordávamos, batíamos um prato*** de bode a alguma coisa, destampávamos a primeira de uma interminável sucessão de garrafas de loiras geladas intercaladas por goles de branquinha**** com caju, Virado rolando no som até que lá pelas 15hs íamos pra Olinda e só voltávamos madrugada adentro. Eu que nunca fui chegado a carnaval, tirando os que trabalhei sempre fugi dos carnavais de Salvador, amei o de Olinda. Pela beleza plástica, pela verdadeira manifestação popular, os bonecos, as ladeiras da cidade encantadora que, por sinal, já conhecia. Embora muito cheia, nem de longe se compara a confusão e ao aperto que rola no carnaval da Bahia. Fiquei encantado de ver os blocos e cordões de Olinda. Tudo feito pelo povo pobre que extravasa as tensões do dia-a-dia, em poucos dias de muita alegria. Claro que hoje existem diversas instituições que apóiam tal iniciativa, mas, com certeza, muita gente ainda gasta do pouco que ganha para fazer aqueles bonecos e fantasias. Muito lindo! E o frevo? Um ritmo contagiante, uma dança muito bonita. Tentei ensaiar uns passos mas o desastre foi total.
Outra coisa que me chamou a atenção, foi o fato de não ter visto uma briga sequer durante a festa. Óbvio que deve rolar, afinal com tanta gente reunida num mesmo lugar e os ânimos alterados pelo excesso de álccol, é impossível conter uma confusão. No entanto demos sorte e não vimos nenhuma. Tudo transcorreu na mais profunda paz e harmonia. Guerra mesmo só a de água. Um tradição por lá. As pessoas ficam atirando jatos d´água nas outras com uma pistolinha plástica vendidas aos montes pelos ambulantes. Dizem até, que quando se atira em alguem, está se demonstrando interesse pela pessoa. Acho que isso não é verdade, tantos foram os jatos que recebi de verdadeiros aviões. Não acredito que aquelas gatas tivessem interessadas em mim. Ainda mais que estava acompanhado da infalível marcação de Cynthia.
Na segunda quebramos a rotina. Muito cansados das farras dos últimos três dias, resolvemos não ir pra Olinda e fomos à praia, ali mesmo na Boa Viagem, pertinho de casa. Como sempre já saímos calibrados e demos continuidade na beira do mar. Aí me passa um tal de Roberto vendendo caldinho. Tinha de vários sabores e estranhei o fato dele colocar um ovo de codorna dentro do copo. Cynthia, exagerada como sempre, tomou vários comendo todos os ovinhos. Toda hora gritava: - Roberto, vem cá! Juntando com as roscas e os incontáveis copos de cerveja, o resultado não foi nada bom. A noite, no Recife Velho, em pleno show de Geraldo Azevedo, ela passou mal, dizia que ía morrer. Fomos para um ambiente mais arejado, longe da multidão e ela melhorou um pouco. No entanto não quis mais ficar na rua. Deixamos o carro com os meninos e voltamos pra casa de taxi. Eu não acertaria chegar.
Voltamos à Olinda na terça. Antes de sair de casa aconselhei Josildo a não levar a garrafinha de cachaça que levávamos todos os dias para bebericar entre uma cerveja e outra: - A gente já bebeu demais neste carnaval, amanhã vou pegar a estrada e preciso acordar inteiro. Prontamente ele concordou comigo e não falamos mais nisto. Por volta das 18hs, lá em Olinda, animado por uma série de loirinhas geladíssimas, chamei Jô nun canto e disse: - Já tô arrependido de ter te dado aquele conselho, um gole da branquinha agora ía cair bem. De imediato ele falou: - Quem disse que ouvi seu conselho? enquanto sacava do bolso a bendita garrafa responsável pela ressaca que me acompanhou durante os 800kms que separam Recife de Salvador. Foram inesquecíveis aqueles dias, morro de saudades deste carnaval.
*Filar: Pedir, usufruir de graça.
**Lavado: Bêbado.
***Branquinha: Cachaça.
****Bater Um Prato: Comer, fazer uma refeição.
3 comentários:
Muito bacana a continuaçao do texto. Eu quase fucei aí pra ler o restante, mas estive muito sem tempo, e uma semana sem quase nao ver pc.
Mas quem é vivo sempre aparece rsrs. Por sinal vc tá sumidao também ein?
Abraço. E que venham mais histórias cheias de bom humor como esta.
Olá meu querido amigo!
Gosto de ler estas histórias que me falam de realidades diferentes da nossa.Sei o quanto para vocês o carnaval tem um papel importante.Por aqui tb temos alguns carnavais que já têem alguma tradição mas agora já com muitas influências vossas.
Conheci Olinda através de fotos enviadas por um amigo daí e achei simplesmente linda!Acho que tem tudo do estilo colonial não é?
Quanto às moças das pistolinhas..eu tb te atirava jatinhos de água.Que raio de insegurança essa!És muito charmoso meu querido.
Beijinhos desta amiga.
Ei Adriano,
que bom ver você lá no meu florescer. Eu também sinto saudades, e saudade é o que não falta nos seus dois textos. Os tempos vividos com alegria...
E que venham muitos outros tempos e muito mais alegria.
Mas, carne de bode...
Rapaz! tenho uma dificuldade. Já experimentei, mas foi difícil. E olha que sou boa de garfo.
Um abraço
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